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Vejo que a neutralidade científica já causou danos cruéis à historiografia brasileira; e quando escrevo sobre o tema “escravidão”, busco empreender, de todas as maneiras, o compromisso do historiador com a imparcialidade e cuido para não ser anacrônico nem descontextualizado. Quando a abordagem historiográfica se ampara perenemente no distanciamento do fato, corre-se o grave risco de tratarmos nossos objetos de estudo de forma fria. Em muitos casos, o historiador desconsidera a transcendência do tema e o trata de forma desvinculada, sem qualquer resquício ou aspecto que o ligue ao presente. Esse erro criou análises carregadas de um romantismo “novelesco” quando se refere à escravidão.
A escravidão, em todas as suas formas foi sempre cruel, nefasta e sem nenhum sentimento. Para compreendermos isso é preciso envolver-se com o estudo, viver o personagem histórico, ou seja, tornar-se primeiramente negro e consequentemente, escravo.
Volto meu olhar para a sociedade brasileira atual e fico a perguntar em como estamos mediando nossas relações sociais? Herdeiras do passado escravista, elas estão expressas nas distinções que promovemos e mergulhadas nas relações de poder criadas pelas elites hierárquicas que governaram e ainda governam certas regiões do Brasil.
As marcas da escravidão institucionalizada, exercida por séculos no Brasil, podem ser claramente percebidas quando nos deparamos com comparações extremamente segregadoras que classificam o tecido social brasileiro dentro de padrões de habilidades, onde os trabalhos manuais estão sempre ligados às classes mais baixas e de pela escura e os trabalhos intelectuais, que são em esmagadora maioria, realizados por uma classe social mais alta e de pele clara.
O problema do distanciamento das análises sociais, dentro da juvenil história republicana brasileira, quase sempre obedeceu a um direcionamento político e específico de criar uma história do “Brasil ideal”. Para esse fim, cada sujeito social deveria ocupar mais, ou menos espaço dentro dela.
Hoje, depois de tantos trabalhos voltados para contar e recontar a história de nossa nação, ainda há quem diga que “lugar de negro é na favela”, ou que serviço ruim é “coisa de preto”. Enquanto não sairmos de nossa neutralidade ao tema, estaremos impedindo que a memória exerça sua função nobre de “iluminar lembranças”; estaremos negando à mesma o dever de desvelar as “poeiras indesejáveis” escondidas dentro de “problemas” que a nossa historiografia tradicional sempre impediu que fossem evidenciados e consequentemente, não resolvidos.
A falta do entendimento de que ainda vivemos as máculas da escravidão faz a sociedade brasileira cometer um dos piores crimes contra a sua história: o esvaziamento da memória. Um povo que se distancia do seu passado promove, muito facilmente, a desqualificação do “outro”; a morte do semelhante e o empreendimento da supremacia de uma classe sobre a outra.
Texto: Alisson Ferreira
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