sexta-feira, 22 de julho de 2016

A promíscua relação dos poderes na administração pública


Os usos da democracia enquanto forma de governo apresentam uma particularidade um tanto quanto contraditória no Brasil. Os fluxos e refluxos nos posicionamentos das esferas de poder levam a distorções dos preceitos ordenadores de cada casa. Esse fato imprime um desafio homérico de entendimento aos que buscam participar do dia a dia da construção política da nação.  


As instâncias decisórias do âmbito político comumente têm relações que fogem ao que prediz a Carta Magna da Nação. A lei maior do país, em seus princípios fundamentais, artigo segundo, prescreve que os poderes são independentes e harmônicos entre si, o que se conhece como princípio da separação dos poderes. Na prática, o que se vê, são distorções abismais da magna legislação.  

O jurista José Afonso da Silva escreve o que seria harmonia e independência entre os poderes. 

“A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.” (SILVA, 2005)  

Na estruturação da separação dos poderes dentro do Estado Democrático existe o conhecido sistema de freios e contrapesos. Este é uma construção doutrinária criada para organizar as funções de cada poder, onde cada um inicia e termina suas ações.   

“Segundo essa teoria os atos que o Estado pratica podem ser de duas espécies: ou são atos gerais ou são especiais. Os atos gerais, que só podem ser praticados pelo poder legislativo, constituem-se a emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de serem emitidas, a quem elas irão atingir. Só depois de emitida a norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio de atos especiais. O executivo dispõe de meios concretos para agir e todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de qualquer um dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada um a permanecer nos limites de sua respectiva esfera de competências.” (DALLARI, 1991)  

Observa-se, no entanto que comumente, executivo, legislativo e judiciário fogem estrategicamente de suas funções para buscarem atender a interesses “diversos”. Os legisladores abandonam suas funções essenciais e passam a investigar e a julgar, enquanto que o judiciário e o executivo estão legislando. Este modus operandi desastroso fere a organização dos poderes e põe em risco a credibilidade de nossas instituições governamentais. Com os três poderes abandonando suas genuínas funções a democracia brasileira sofre um feroz retrocesso.  

Alia-se ao fato da inversão de funções, a promiscuidade das relações existentes entre eles. O legislativo trava cotidianamente as pautas, deixando de votar proposições de interesse nacional enquanto o executivo não atender às suas demandas. Quase sempre os legisladores estão a pedir subvenções para aplicarem em seus curais eleitorais. Por outro lado, o governo utiliza-se do apetite voraz dos legisladores por verbas e consegue quase sempre comandar os rumos da casa com medidas provisórias que estrangulam a prerrogativa de legislar que é dos deputados. Em outro flanco do emaranhado promíscuo, estão os magistrados do judiciário. Eles estão cada vez mais judicializando a política interferindo no andamento dos outros poderes. Os juízes do Supremo Tribunal Federal desempenham quando oportuno, o papel de legisladores e promovem uma centena de interpretações legais sobre matérias que não lhes são cabidas.  

O jurista e ex-presidente do STF, Nelson Jobim afirma que há inconsistência e uma não funcionalidade dos três poderes.  

"Há uma inconsistência, uma não funcionalidade nos três poderes hoje. E isso decorre por o executivo não ter um planejamento nacional. Querem mudar o norte do executivo. No momento era o ajuste fiscal, mas era meio a meio, não fez o discurso do desenvolvimento. O legislativo tenta se afirmar em cima do executivo. O Supremo tenta invadir as áreas dos outros poderes. E tudo isso paralisa a nação." (NEWS, 2015) 
  
O Brasil corre o risco de paralisar com tantas ingerências praticadas em suas instâncias decisórias de poder. A harmonia e a independência aguardam ansiosas por serem vividas como reza a Constituição Federal.  Para o jurista Argentino Augustín Gordillo, o sistema de equilíbrio entre os poderes no Brasil não tem funcionado de forma concreta. 

“O sistema de equilíbrio previsto abstratamente pela Constituição não tem funcionado concretamente. Na realidade, tem havido uma inversão bastante perigosa na “hierarquia relativa” estabelecida para os três poderes” (GORDILLO, 1977).  

Gordilho afirma que as trocas de favores, principalmente no que se refere à relação entre executivo e legislativo ajudam na inversão dos papeis entre as casas e ergue uma perigosa relação de dependência entre o chefe do executivo e a casa legislativa. 

“[...] dado que as nomeações dos funcionários públicos são feitas pelo Poder Executivo, e que uma parte lamentavelmente importante do êxito político dos parlamentares é a sua habilidade para obter retribuições e postos para seus afilhados e patrocinadores, resulta que cada parlamentar está em geral solicitando do Executivo a nomeação deste ou daquele amigo ou correligionário da Administração Pública, com o que o legislador se coloca em posição de peticionário mais ou menos submisso ao Executivo de quem solicita o gracioso favor.” (IDEM GORDILLO, 1977).  

Texto: Alisson Ferreira

terça-feira, 19 de julho de 2016

A urgente participação popular

Os inúmeros desvios de condutas, os crimes contra o erário público e a crise ético-política que assola o Brasil demonstram de forma dantesca as prioridades nada sociais dos nossos homens públicos e seus grupos políticos. A administração da coisa pública tem sido usada para aumentar o poder econômico de políticos e empresários. Agindo na contramão dos preceitos da política, os representantes do povo brasileiro mancham com a lama da corrupção a juvenil história republicana da nação.  

A descrença com os representantes políticos cresce à medida que novos casos e denúncias de corrupções aparecem e inundam os noticiários e as redes sociais. Porém, a falta de confiança da população nos seus representantes aponta uma constatação assustadora e constrangedora, a grande parte dos eleitores que elegem os políticos não acredita na política, votam pela obrigação constitucional, não tomam parte no fazer político. 

Quando os cidadãos não atuam de forma a impactar a agenda política de seus representantes com demandas sociais importantes, as relações se afrouxam e terminam por se constituírem como simples assistencialismos e trocas de favores. O abandono das discussões e da construção de proposições que ajudem na administração pública possibilita aos governantes agirem ao seu bel prazer, pontuando o que é viável ou não, na execução de suas funções.  

Sem a efetiva participação dos cidadãos, os rumos políticos da nação tornam se incertos quanto às suas primícias democráticas. A presença da sociedade garante a fiscalização do trabalho dos governantes e possibilita a preservação de seus direitos. É importante que a sociedade ajude a construir as vias administrativas de suas localidades e regiões. Quando se educa a participação popular os olhares politizados sombreiam o agir dos representantes públicos. A presença discernida inibe atos de corrupção e abre diálogos constantes com as instâncias decisórias. Da educação política certamente sai o empoderamento do cidadão e dela poderá se erguer a criticidade que nos falta atualmente. Somente com instrução se pode sair da passividade e tornar-se agente da história.


“[...] uma educação pelo trabalho, que estimule a colaboração e não a competição. Uma educação que dê valor à ajuda mútua e não ao individualismo, que desenvolva o espírito crítico e a criatividade, e não a passividade. Uma educação que se fundamente na unidade entre a prática e a teoria, entre o trabalho manual e o trabalho intelectual e que, por isso, incentive os educandos a pensar certo. Uma educação que não favoreça a mentira, as ideias falsas, a indisciplina. Uma educação política, tão política quanto qualquer outra educação, mas que não tenta passar por neutra. Ao proclamar que não é neutra, que a neutralidade é impossível, afirma que a sua política é a dos interesses do nosso povo.” (FREIRE, 1984, p.95)

Texto: Alisson Ferreira