segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A Cor da pobreza e a reconstituição da dignidade

Não há como negar que, ainda hoje, a maioria dos pobres brasileiros é negra. A pobreza no Brasil tem forte acentuação racial; além de ser medida por sexo, ela também tem cor. O Ministério da Fazenda realizou um diagnóstico das desigualdades raciais no Brasil(1) e chegou à seguinte conclusão em relação à população negra: cerca de 50% encontra-se abaixo da linha da pobreza e 25% abaixo da linha de indigência. Comparados, em relação à população branca pobre, 25% da população negra esta abaixo da linha da pobreza e 10% na linha da indigência. O SENSO 2001/2002(2) diagnosticou que 65% da população brasileira pobre é negra e que, na categoria dos indigentes a percentagem de negros chega a 70%.

Os organismos que analisam a pobreza no mundo não colocam o Brasil en-tre as nações pobres, porém, se não somos um país pobre, certamente, somos um país extremamente injusto. A divisão de renda no Brasil é o fator determi-nante para a existência de tanta disparidade social. Estes números atuais pertencem a processos históricos desiguais que foram vivenciados dentro de 510 anos de história. Não precisamos ser ótimos estudantes de História ou mesmo Geografia para descobrir que o Brasil em seu desenvolvimento social privilegiou a cultura européia em detrimento da já existente aqui. Tudo que não refe-rendasse essa cultura se tornava empecilho à constituição de uma boa sociedade. Os negros nunca fizeram parte deste projeto de nação; eram estorvo e peso a serem descartados.

Relatos de historiadores da Colônia, do Império e da República atestam que, desde 1538, os negros produziam conhecimento, saberes e fazeres em terras brasileiras. Estes saberes e fazeres foram negligenciados e apagados pelas instituições governamentais e pelas academias. Somente nas últimas décadas, por força dos movimentos negros, é que pesquisas sobre a temática negra ganharam força. A exclusão do sujeito africano e posteriormente afro-brasileiro da história de nossa nação favoreceu a constituição de políticas racistas que afastaram os negros de direitos essenciais para a constituição de sua cidadania. O negro no início da República brasileira tornou-se, para as elites que comandavam o país, o opróbrio de um sonho almejado por eles.

É preciso que haja, por parte dos governantes da nação, mais que ações afirmativas para que os negros e negras deste país sejam restituídos do mas-sacre sócio-cultural a que foram expostos. Vejo que o reconhecimento material constitui apenas uma parte das reparações a serem feitas pelo Estado brasileiro. Há, inicialmente, que se recuperar a dignidade dos mesmos e reconhecer a sua importância como agentes históricos, construtores e fazedores de sua própria caminhada. Hoje, faz-se urgente edificá-los na íntegra, reconstituindo os laços existenciais que foram perdidos e que são a origem e essência de cada negro e negra deste país.

Pensar que a redução das desigualdades está apenas na aplicação de polí-ticas que evidenciam a redução da pobreza, não leva necessariamente à redução das desigualdades raciais. Isso somente acontecerá se formos além da matéria e constituirmos políticas e estratégias que unam a necessidade de reparação material com a reconstrução da dignidade humana desta parcela da sociedade brasileira.

Texto: Alisson Ferreira
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1 - Site do Ministério da Fazenda – Diagnóstico das desigualdades raciais no Brasil
2 - Os números podem ser encontrados no site do IBEGE

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