quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A Verdade está em nossas raízes


Texto: Alisson Ferreira

Divulgação

Vivemos dias desafiadores que nos forçam a construir defesas a todo o momento. Nunca os caminhos deste mundo se mostraram tão frágeis em suas bases. Estas, outrora, solidificadas nas palavras da família, dos professores e na pregação de presbíteros e religiosos estavam, sempre, carregadas de firmeza.

Forçados a nos defender, indefesos caminhamos. Nossa educação, como sujeitos sociais e religiosos, sofreu muitas transformações. Somos filhos da modernidade esvaída que nos legou uma contemporaneidade, bem expressa e desenhada em sua liquidez, sempre disposta a nos direcionar às múltiplas possibilidades de se viver a solidão dentro de nossas comunidades.

Um amigo filósofo[1] presenteou-me com uma de suas obras literárias e a degustei página a página. Os escritos apresentavam a inquietude do homem em se redescobrir e a possibilidade desta redescoberta com a mediação de Deus. Diante dessa leitura, pus-me a evocar memórias. Aprendi, quando criança, que Deus morava comigo em minha comunidade. Na juventude, li e ouvi grandes exegetas que retiraram dos textos sagrados que o Verbo se fez carne e veio morar com os pobres. E vi, na vivência cotidiana com meus pais, que Deus é realmente comunidade quando estamos a serviço do outro. Porém, a leitura inquietou-me para a seguinte questão: onde estão as antigas verdades e seus proclamadores?

Somos frutos da tradição oral. Por mais que estejamos mergulhados em redes sociais e em informações supervelozes, construir nossa identidade sem o repasse oral de valores e tradições não é fácil. A educação religiosa está como a personagem da parábola do Filho Pródigo: saiu pela contemporaneidade à procura de valores “high tech” e se encantou com o que viu. Ela está seduzida pela “fé só minha”, uma criação da cultura atual de busca pela felicidade. Nela, não há lugar para os espaços coletivos de construção de crenças; tudo é individualizado e raso.

Em nossas instituições religiosas e de ensino formal, os tutores do ensinamento parecem sem rumo. Se por um lado alertam-nos quanto aos riscos de ancorarmos nossas vidas nas verdades passageiras da contemporaneidade, por outro, estão confusos quanto ao combate da sedução das mesmas. Os proclamadores da Verdade estão intensamente presos aos desafios deste mundo midiático, tecnocrata e ambivalente, que não procuram mais os caminhos da memória; preferem o piso frágil de nossos tempos para tentar explicar o que por si só se explica.

A Verdade está em nossas raízes. Esta é como a “Flor indefesa” de Carlos Mesters (1986,p.8-9), que transforma sangue em adubo. A nossa raiz verdadeira transforma a aridez de nossa contemporaneidade em fertilizante e mesmo indefesa, se faz forte. Ela é diferente das verdades que ouvimos todos os dias e mais presente que as proclamadas em todas as Redes Sociais. Nossa Verdade não está em nenhuma tecnologia e nem em qualquer best seller da literatura. Ela, libertadora, já nasce temida em nossos tempos e cresce na memória dos que a evocam, humildes e desejosos de transformações, nesta sociedade relativista e só. 



[1] Israel Boniek Gonçalves. Autor do livro: Águas profundas. Existencialismo e Subjetividade, FAEST, 2012.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A estrela de Belém

Imagem Divulgação

Conta a Bíblia que sobre a cidade de Belém da Judeia reluziu uma estrela ao nascer Jesus. Provenientes da Babilônia, os reis astrólogos, também conhecidos por magos, orientaram-se por ela até chegarem à manjedoura, junto à qual adoraram o Menino.
 
 O rei Herodes, que governava a Palestina, viu na estrela um mal presságio. Já que o seu poder não tinha forças para apagar a estrela no céu, ordenou que o Messias fosse eliminado da face da Terra.
 
 O Natal é uma festa paradigmática. Seus símbolos, aparentemente infantis, são psicologicamente profundos. Viver é uma experiência natalina. A diferença é que, em torno de 25 de dezembro, três fatores se somam: o caráter religioso da festa, que impregna a boca da alma de estranho sabor de nostalgia; a fissura papainoélica do consumismo e dos presentes compulsórios; e a proximidade da virada do ano.
 
 Enquanto a compulsiva comercialização da data condena-nos à ressaca espiritual, o caráter religioso da festa deixa-nos com saudades de Deus, e a chegada do Ano-Novo reforça nosso propósito de melhorar de vida. Daí o sentimento conflitivo de quem gostaria de acordar na manhã de 25 e encontrar, nos sapatos, um símbolo de afeto, o afago à criança que dorme dentro de nós, mas sabe que, no império do mercado, a idade adulta é inimiga da infância.
 
 “Ora, direis ouvir estrelas!”, canta o poeta. Sim, temos olhos e ouvidos para os signos que expressam o novo. Na vida, nossos passos são conduzidos por estrelas, sonhos e ambições que simbolizam a fonte da felicidade. Nunca estamos satisfeitos com o que somos ou temos. Feitos de matéria transcendente, trafegamos no labirinto da existência seduzidos pelo absurdo, mas famintos de Absoluto.
 
 Para os antigos, a imagem da utopia era um jardim repleto de fontes, flores e frutos. Para a Bíblia, o Jardim do Éden, que em hebraico significa “lugar de delícias”, lá onde se suprime o limite entre o natural e o sobrenatural, o humano e o divino, o efêmero e o eterno.
 
 Hoje, nosso mal-estar advém desse horizonte estreito em que miramos estrelas cadentes. Raras as ascendentes. Iniciamos o século e o milênio como aprendizes de deuses, capazes de engendrar vida em provetas e possuir olhos eletrônicos que penetram a intimidade da matéria e do Universo, sem, no entanto, erradicar a fome, a desigualdade e a injustiça.
 
 Somos órfãos da esperança. Quase tudo está ao alcance do poder do dinheiro, exceto o que mais carecemos: um sentido para a vida. Tateamos, sonâmbulos, nessa interminável noite de insônia. Calam-se as filosofias, confinadas aos limites da linguagem; desaparecem as utopias, travestidas no mesquinho desejo de poder e posse de refinados objetos; enquanto as religiões cedem às exigências do mercado e oferecem o lúdico a quem busca luz, sem abrir as portas que nos conduzam à inefável experiência de Deus.
 
 “E agora, José?” Agora, é mudar o Natal e nós próprios. Evitar o Papai Noel consumista em cores de Coca-Cola e procurar o brilho da estrela em nossas inquietações mais profundas. Descobrir a presença do Menino em nosso coração. E, como sugeriu Jesus a Nicodemos, ousar renascer em gestos de carinho e justiça, solidariedade e alegria.
 
 Em vez de dar presentes, fazer-se presente lá onde reina a ausência: de afeto, saúde, liberdade, direitos. Dobrar os joelhos junto à manjedoura que abriga tantos excluídos, imagens vivas do Menino de Belém.
 
 Feliz Natal, Brasil! Queira Deus que o Herodes que nos habita ceda lugar aos magos que acreditam na estrela e oferecem ao milagre da vida o melhor de si.

Texto: Frei Beto