segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Professor Alisson Ferreira fala sobre agricultura, homem do campo e música caipira, no enredo da Vila Isabel

Entrevista no Programa Brasil Raça Mundi em janeiro de 2013. O programa é uma produção do Movimento Unificado Negro de Divinópolis-MG (Brasil).


Leia a Sinopse do Enredo da Vila Isabel

O trabalho no campo é fruto de muito suor, dedicação e amor pela terra, os quais permitiram que o Brasil se tornasse um destaque na agricultura mundial, caminhando a passos largos para a condição de principal país agrícola do planeta.

Essa dedicação às atividades rurais gera milhões de empregos e riquezas, colaborando para a grandeza do nosso país. A prosperidade nacional se deve aos milhões de homens, mulheres e jovens que se dedicam ao cultivo de nosso solo fértil.

O brasileiro tem fama de ser hospitaleiro e cordial. É bem verdade que um cafezinho já serve pra quebrar o gelo nas reuniões, pra esticar uma conversa, na mesa, depois da refeição. E aquela visita inesperada ou convidado de última hora, sempre é bem-vindo. Afinal de contas, onde come um comem dois, ou sempre podemos botar "água no feijão, que chegou mais um...". (Jorginho do Império)

A natureza generosa nos dá o feijão nosso de cada dia, o trigo do pão
também, e o milho de fubá, e o arroz, e a cebola pra temperar, o alho, e a
mandioca para fazer farinha, pra acompanhar...

"No recanto onde moro, é uma linda passarela
O carijó canta cedo, bem pertinho da janela
Eu levanto quando bate o sininho da capela.
E lá vou pro meu roçado, tendo Deus de sentinela
Tem dia que meu almoço, é um pão com mortadela,
Mas lá do meu ranchinho, a mulher e os filhinhos,
Tem franguinho na panela" (Lourenço e Lourival)
"Que vidinha simples, que vidinha boa
A bóia é sagrado frango e quiabo
Acompanhado de ovo caipira, arroz e feijão
Depois do almoço sem muito esforço
Encosto meu corpo no barracão". (João Carneiro e Capataz)

Esse mundo natural pródigo é o orgulho do país. Da terra vem a riqueza da nação. É do solo que nasce o engrandecimento da pátria. É dos produtos oferecidos pelos seus verdes lindos campos que conseguirá progredir. Portanto, é das suas terras, imensas e extensas, que a providência divina ofertou, que virá a sua transformação em celeiro agrícola da humanidade: a maior região produtora, fornecedora e abastecedora de alimentos do planeta terra.

E quem será o responsável por cuidar do seu solo fértil? O agricultor, esse trabalhador extraordinário, arrojado, competente, que tem na terra o
seu precioso bem. O homem do campo terá a missão de torná-la próspera, inseri-la no concerto das nações civilizadas, ampliando os cultivos, sem
jamais destruir a natureza, os verdejantes bosques. Dos produtos agrícolas, virá a transformação do Planeta Faminto, num mundo de mesa farta e
sonhos possíveis.

"Enquanto uns fazem guerra
Trazendo fome e tristeza,
Minha luta é com a terra
Pra não faltar pão na mesa" (Joel Marques e Maracaí)
"Mulher, você vai gostar
To levando uns amigos pra conversar
Eles vão com uma fome que nem me contem,
E vão com uma sede de anteontem,
E vamos botar água no feijão..." (Chico Buarque)

Eis a terra sustentável por natureza, e que pode ser mais. Afinal, aqui por estas bandas... "tudo que se planta dá". Mas com o pensamento voltado
para as necessidades dos comensais do grande banquete diário e os anseios do planeta onde vivemos, sem afetar as possibilidades de onde viverão os
nossos filhos e netos, aproveitando com inteligência, cada palmo deste chão. Multiplicai os alimentos, mas sem ampliar as áreas de cultivo!
"Eu tenho um coqueiro grande que só dá coquinho...
Quando eu quero um coco grande, tem que ser do coqueirinho...".

Tamanho nem sempre é documento. Precisamos aprender com o coqueirinho, a aproveitar cada centímetro da plantação, produzindo mais, com astúcia. Para não desgastar os solos, a solução é o plantio feito na palha de culturas anteriores!

Várias etnias se agregaram às três raças formadoras da nação - o branco, o negro e o índio – para formar a nossa tradição agrícola. Imigrantes, como os alemães, os japoneses, e os italianos, e outros em menores grupos, se dedicaram igualmente à agricultura.
Assim como a agricultura, a música do campo é a origem do Brasil.
"moda bem tocada é aquela que desperta em nós uma saudade que agente nem sabe do quê...".

O som da viola canta a música do campo e conta a história daqueles que vivem da terra, que lutam, que prosperam e fazem o país crescer.
A moda de viola trás a saudade dos tempos de outrora, mostra a vida cantada em versos simples e retrata a obra magnífica do homem do campo, do agricultor que com afinco, dedicação e conhecimento transforma a terra em riqueza.
Segundo Câmara Cascudo, "somos filhos de raças cantadeiras e dançarinas", o que ajudou na estruturação da música do campo.

O violeiro é aquele que por instinto lê os sinais da natureza e os interpretam. Tem na sentimentalidade a bússola com que se orienta no mundo. É um artista que, nas asas da tradição, canta querências e saberes poetizados.

"passo por cima das nuve
Esbarrando no trovão
Danço no meio da chuva
Bem no meio do clarão..." (Lourival dos Santos e Priminho)

A primeira fábrica de viola nasceu na fazenda Córrego da Figueira, em Campo Triste, fábrica de viola da marca Xadrez.

"Na Fazenda Figueira
O Dego e o seu irmão
Entraro na mata virge
A procura de madera
Pra fazê uma viola
E já fizero a primeira" (Antonio Paulino)
"Esta viola vermelha
Cor de bandeira de guerra
Cor de sangue de caboclo
Cor de poeira da terra". (Tião Carreiro e Jesus Belmiro)

"O som da viola bateu
No meu peito doeu meu irmão
Assim eu me fiz contador
Sem nenhum professor". (Peão Carreiro e Zé Paulo)

"Ai, a viola me conhece
Que eu não posso cantá só
Se eu sozinho canto bem
Em junto canto mió" (Carreirinho)

"Minha viola
Ta chorando com razão
Por causa duma marvada
Que roubou meu coração". (Noel Rosa)

O mundo da música é o da alma humana, e esta, na cidade ou no campo, não tem limite. A poesia se entrelaça com as paisagens, e as paisagens com os sentimentos.

"O rio Piracicaba vai jogar água pra fora
Quando chegar a água
Dos olhos de alguém que chora
Pertinho da minha casa
Já formou uma lagoa
Com lágrimas dos meus olhos,
Por causa de uma pessoa". (Lourival dos Santos, Tião Carreiro, e
Piraci)

"Eu fiz promessa
Pra que Deus mandasse chuva
Pra crescer a plantação".
O povo recorre a promessas quando a chuva não vem. Neste caso, a promessa foi paga com três pingos...
"Um, foi o pingo da chuva, Dois caiu do meu oiá". (Raul Torres e João Pacífico)
Até os santos ficam de castigo, sendo trocados de Igreja, talvez pra prestarem mais atenção pros problemas do campo.
"São José de Porcelana foi morar
Na matriz da Imaculada Conceição
A Conceição, incomodada,
Vai ouvir nossa oração
Nos livrar da seca, da enxurrada
Da estação ruim.
Barromeu pedra sabão vai pro altar
Pertence a estrela mãe de Nazaré
A Nazaré vai de jumento
Pro mosteiro de São João
E o evangelista, pra basílica de S. José
Se a vida mesmo assim não melhorar
Santo que quiser voltar pra casa
Só se for a pé". (Chico Buarque)

Os animais e as plantas também são assuntos recorrentes das modas de viola.
"Canta, canta Bem-te-vi
Pra mim ouvir
Canta, canta sabiá
Pra me consolar" (Alvarenga e Ranchinho)

"Quero ouvir a siriema
Cantar por ti, Iracema
No nosso jardim em flor". (Mario Zan)

"Comprei um casco chapeado
Uma baldrana macia
Um colchonilho dos brancos
Pra minha besta rosia
Um peitoral de argolinha
E uma estrela que bria
Fui dá uma passeio em Tupã
Só pra vê o que acontecia". (Anacleto Rosas Júnior e Arlindo Pinto)

A música do homem do campo tomou grande impulso de divulgação nos anos vinte do século passado, graças as primeiras gravações. Hoje, a música é divulgadíssima. São realizados grandes shows. Os temas também evoluem, as técnicas de plantação também se sofisticam, mas a alma que os embala é a mesma, a alma caipira e brasileira.
"Baile na roça, meu bem, se dança assim,
Pego na cintura dela e ela tarraca em mim
E o sanfoneiro toca, toca alegria,
Vamo, vamo minha gente até o clarear do dia
Dança, dança com a morena, dança, dança, com a loirinha,
Começa o baile na tuia e termina na cozinha.
Viva o baile da roça, viva a noite de S. João
E o povo brasileiro conservando a tradição". (Tunico e Tinoco)

Hoje, o samba, homenageia o agricultor! Os sambistas celebram e eternizam esse personagem de real valor! A viola se junta aos pandeiros, chocalhos e surdos de primeira, para unir a cultura do sambista com a do homem do campo, numa grande festa de celebração da colheita. E, neste palco iluminado, por confetes e serpentinas, a Vila de Noel e de Martinho vem homenagear essa figura notória, original e bem brasileira: o agricultor. Ele merece o nosso respeito!!! É o agricultor brasileiro ajudando a alimentar o mundo!!!

Autores do Enredo: 
Rosa Magalhães (Carnavalesca), 
Alex Varela (historiador) & Martinho da Vila

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Momento da Arte

Acervo da família Ferreira
Telas da artista Ângela Ferreira (D´Angela)

"Boiadeiro"
óleo sobre tela - 50x70

Gosto de me inspirar na cultura rural. Gosto da simplicidade e do rústico.
  
"O ofício de vaqueiro era uma arte. Trabalho em pecuária alongada além de incerto, aventuroso e a cada dia e estação sujeitar o trabalhador a uma quantidade de riscos, exigia destreza e treino... "laçar gado bravo, domar animais de sela, amansar vacas de leite, dar campo em mangas sem fecho, colocar em boiada gado arribado que passava às vezes meses ou anos sem ver curral..." (Eduardo Magalhães Ribeiro).


Acervo da família Ferreira






"Acampamento de Peão"
Técnica: Mista: óleo sobre tela / massa acrílica e material reciclado - 70x60

Botas e laços dos vaqueiros espalhados pelo chão rústico. 








Por: Redação do Blog

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Momento da Arte


Momento inesquecível para a família Ferreira. Minha mãe, Ângela Ferreira participou do o Iº Salão Brasil Folclore,  no período de 22 de agosto a 04 de setembro de 2001, no Lar Center Norte, em São Paulo com participação de artistas de todo o Brasil. 

O evento foi promovido pela Associação Paulista de Belas Artes (APBA) e tinha por objetivo documentar as manifestações folclóricas de todo o território nacional.  

O quadro

A tela, pintada a óleo, retrata uma atividade comum das famílias do interior de Minhas Gerais e intitula-se: "Pilando Arroz". 

Por: Alisson Ferreira

sábado, 12 de janeiro de 2013

"Escravidão e Práticas Antissindicais", hoje


POR PROF.HELDER MOLINA (1)

Divulgação
1 – As relações entre trabalho degradante, praticas antissindicais e criminalização de dirigentes e militantes dirigentes sindicais, hoje 

O termo escravidão nos remete à imagem do aprisionamento e da venda de africanos, forçados a trabalhar para seus proprietários nas fazendas ou nas casas no Brasil colonial ou imperial. Essa foi a realidade do Brasil até o final do século 19, quando, por fim, a prática foi considerada ilegal pela Lei Áurea, de 13 de maio de 1888.

Mais de 100 anos depois, porém, o Brasil e o mundo não podem dizer que estão livres do trabalho escravo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que existam pelo menos 12,3 milhões de pessoas submetidas a trabalho forçado em todo o mundo, e no mínimo 1,3 milhão na América Latina.

Para a OIT, “todo trabalho escravo é degradante, mas nem todo trabalho degradante é considerado escravo. O que diferencia um do outro é a privação da liberdade”. São basicamente três os fatores que levam as pessoas a permanecerem trabalhando como escravos: o endividamento (servidão por dívida), o isolamento geográfico e a ameaça à vida. Não se trata, portanto, de simples descumprimento das leis trabalhistas, mas de um conjunto de condições degradantes.

Há uma estreita vinculação entre expansão do agronegócio no contexto da economia mundializada e a precarização das relações trabalhistas. A contradição gritante é que mesmo governo que estimula as monoculturas de exportação corre atrás dos enormes prejuízos que ela provoca, inclusive à imagem do Brasil no exterior.

Há variadas formas e conteúdos de escravidão nas condições e relações de trabalho no tempo presente

2 – Terceirização, precarização: Os cativeiros públicos e privados

No Brasil, a terceirização e precarização das relações e condições de trabalho se enraizou, e se aprofundou nos últimos 20 anos, como produto do neoliberalismo. Os empregadores em geral terceirizam a contratação da força de trabalho. Eles recrutam os trabalhadores e servem de fachada para que os “donos” não sejam responsabilizados pelos crimes contra os direitos trabalhistas. Essa relação escravocrata está presente nas obras do PAC (construção de usinas hidrelétricas, obras de estradas, ferrovias, saneamento), nas obras da Copa do Mundo (denúncias recentes nas obras dos estádios), e mesmo em obras da Petrobrás (como denunciou o Sindicato da Construção Civil de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, nas obras do Comperj). Os números são absurdos, como veremos logo abaixo.
Falsas promessas e cativeiro no trabalho

Nos meios rurais e urbanos persistem a presença ativa dos “gatos” (ou feitores modernos) que buscam ¬pessoas em regiões distantes do local onde serão prestados os serviços ou em pensões de cidades ¬próximas.No primeiro contato, são simpáticos, agradáveis e oferecem boas oportunidades de trabalho, com garantia de salário, alojamento e comida. Para seduzir o trabalhador, oferecem “adiantamentos” para a família e transporte gratuito até o local do trabalho.

Na escravização, há ainda os “peões do trecho”, que não têm residência fixa, passando de uma frente de trabalho para outra. Nos chamados “hotéis pioneiros”, onde se hospedam à espera de serviço, são encontrados pelos “gatos”, que “compram” suas dívidas (fazem um refinanciamento informal) e os levam às fazendas. A partir daí, os trabalhadores já estão endividados e devem trabalhar para pagar.

Paus de arara

O traslado é feito em ônibus em péssimas condições de conservação ou por caminhões improvisados – os paus de arara – sem qualquer segurança.
Como a fiscalização tem aumentado, hoje os “gatos” emprestam o dinheiro para as passagens, chegando até a alugar ônibus de turismo, para não serem descobertos. O destino principal são as regiões de expansão agrícola.

Servidão por dívida

Ao chegarem ao local do serviço, os trabalhadores são surpreendidos com situações completamente diferentes do prometido. Para começar, o “gato” informa que eles já estão devendo. O adiantamento, o transporte e as despesas com a viagem já foram anotados em um caderno de dívidas, onde serão registradas daí por diante todas as “compras” de comida, remédios etc, feitas no estabelecimento mantido pelo fazendeiro. Os gastos também envolvem a construção de ¬alojamentos.

Além disso, o peão fica sabendo que será cobrado pelo uso do alojamento e que o custo de todas as ferramentas de que vai precisar para o trabalho – foices, facões, motosserras, entre outros – corre por sua conta, assim como botas, luvas, chapéus e roupas, tudo anotado no caderno a preços muito acima dos praticados no comércio. É costume o “gato” não informar o valor dos produtos, só anotar, deixando para informar depois ao trabalhador o montante da dívida.

Meses se passam sem que o trabalhador seja pago. Com a promessa de receber tudo ao final, ele continua a derrubar a mata, aplicar veneno, erguer cercas, roçar os pastos, entre outras tarefas, sempre em situações degradantes e insalubres.O acordo verbal com o gato costuma ser quebrado e o peão recebe um valor bem menor que o combinado. No dia do pagamento, a dívida do trabalhador é maior que o saldo a receber.Depois de meses, ele continua devedor do “gato” e do dono da fazenda e tem de continuar a esforçar-se para quitar a dívida.

3 - Capitalismo e escravidão: O lucro e acumulação privada valem mais que a vida e os direitos sociais

Em razão dos laços que mantêm com os “gatos”, da mobilidade e da falta de alternativas de subsistência, é muito difícil que os resgatados deixem em definitivo esse tipo de relação de trabalho degradante.Eles tendem a voltar à mesma situação pela falta de soluções a longo prazo, que acenem com novas possibilidades de ganhar a vida com dignidade, longe da escravização.

O trabalho forçado no mundo tem duas características em comum: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade. Além de o trabalhador ficar preso a uma dívida, tem seus documentos retidos e, nas áreas rurais, normalmente fica em local geograficamente isolado. O conceito de trabalho escravo é universal e todo mundo sabe o que é escravidão.

Estudos já identificaram 122 produtos fabricados com o uso de trabalho forçado ou infantil em 58 países diferentes. A OIT calculou em US$ 31,7 bilhões os lucros gerados pelo produto do trabalho escravo a cada ano, sendo que metade disso fica em países ricos, industrializados.
A mobilização internacional para denunciar e combater o trabalho escravo começou quatro décadas após a assinatura da Lei Áurea. Com base nas observações sobre as condições de trabalho em diversos ¬países, a OIT aprovou, em 1930, a Convenção 29, que pede a eliminação do trabalho forçado ou ¬obrigatório.

Mais tarde, em 1957, a Convenção 105 foi além, ao proibir, nos países que assinaram o documento, “o uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação política; como castigo por expressão de opiniões políticas ou ideológicas; como mobilização de mão de obra; como medida disciplinar no trabalho; como punição por participação em greves; ou como medida de discriminação”.

Hoje, o proprietário rural não é mais dono do servo, nem responsável por sua manutenção e reprodução de sua prole, como acontecia no Brasil colonial. Ele usa e abusa da mão de obra escrava, arregimentada sob promessas enganosas, e a descarta três ou quatro meses depois. Carvoeiros, roçadores de pasto e cortadores de cana têm, em pleno século XXI, expectativa de vida inferior aos escravos do século XIX.

O trabalho escravo está presente nas principais cadeias produtivas do agronegócio brasileiro: carne e madeira (metade das denúncias); cana e demais lavouras (metade dos libertados), e carvão vegetal.

Em 2010, 242 pessoas foram libertadas de situações análogas à escravidão em atividades não agrícolas, como construção civil (175 em obras do PAC!). Na zona rural, 2/3 dos casos, entre 2003 e 2010, ocorreram na pecuária (desmatamento, abertura e manutenção do pasto); 17% em lavouras de cana de açúcar, soja, algodão, milho, café, e reflorestamento; e 10% em carvoarias a serviço de siderurgias.A maioria dos libertados trabalhava na pecuária e no corte de cana, sobretudo na região amazônica, principalmente nos estado do Pará, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso, onde se destaca a voz profética do bispo Dom Pedro Casaldáliga, ainda hoje, aos 84 anos, ameaçado de morte por defender os oprimidos (Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2012).Por que trabalho escravo em pleno século XXI? O lucro! E quando flagrado, proprietário finge não saber o que ocorria em suas terras e culpa o capataz. Fazendeiros, parlamentares, magistrados, artistas de TV, figuram entre proprietários rurais que adotam trabalho braçal de baixo custo em condições subumanas – o trabalho escravo. O Brasil, que assina as convenções, só reconheceu em 1995 que brasileiros ainda eram submetidos a trabalho escravo. Mesmo com seguidas denúncias, foi preciso que o país fosse processado junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) para que se aparelhasse para combater o problema. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e responsável pelas primeiras denúncias de trabalho escravo no país, são escravizados a cada ano pelo menos 25 mil trabalhadores, muitos deles crianças ou adolescentes. Apesar dos esforços do governo e de organizações não governamentais, faltam estimativas mais precisas sobre o trabalho escravo atualmente, até por se tratar de uma atividade ilegal, criminosa. Sem informações exatas, o poder público e a sociedade organizada ainda lutam para prevenir e erradicar essa prática. Pior que isso, o país enfrenta grandes dificuldades para punir os responsáveis pelo trabalho escravo atualmente.

O Brasil registra importantes avanços, mas ainda persiste as relações análogas à escravidão. O reconhecimento e a consequente adoção de uma política pública e de ações do Estado para reprimir a ocorrência de trabalho escravo são apontados como exemplos pela OIT. Foram libertados 40 mil trabalhadores brasileiros de trabalho degradante desde a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel e do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, ambos de 1995.

Em 2003, foi lançado o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, e para o seu acompanhamento foi criada a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), com a participação de instituições da sociedade civil pioneiras nas ações de combate ao trabalho escravo no país. Em dezembro do mesmo ano, o Congresso aprovou uma alteração no Código Penal para melhor caracterizar o crime de “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”, que passou a ser definido como aquele em que há submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva ou condições degradantes, e restrição de locomoção em razão de dívida contraída, a chamada servidão por dívida. O crime de trabalho escravo atualmente deve ser punido com prisão de dois a oito anos. A pena pode chegar a 12 anos se o crime for cometido contra criança ou por preconceito. A iniciativa acompanhou a legislação internacional, que considera o trabalho escravo um crime que pode ser equiparado ao genocídio e julgado pelo Tribunal Penal Internacional. Porém, passados mais de seis anos, a legislação praticamente não foi aplicada, deixando no ar a sensação de impunidade, apontada pela OIT como uma das principais causas do trabalho forçado no mundo. Tanto que já há propostas no Congresso que aumentam a pena e tentam definir de maneira mais precisa o crime da escravização contemporânea. 

O fim da escravidão e de práticas análogas à escravidão é um princípio reconhecido por toda a comunidade internacional. As duas convenções citadas são as que receberam o maior número de ratificações por países membros dentre todas as convenções da OIT. As diversas modalidades de trabalho forçado no mundo têm sempre em comum duas características: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade. O trabalhador fica preso a uma dívida, tem seus documentos retidos, é levado a um local isolado geograficamente que impede o seu retorno para casa ou não pode sair de lá, impedido por seguranças armados. No Brasil, o termo usado para este tipo de recrutamento coercitivo e prática trabalhista em áreas remotas é trabalho escravo; todas as situações que abrangem este termo pertencem ao âmbito das convenções sobre trabalho forçado da OIT. O termo trabalho escravo se refere à condições degradantes de trabalho aliadas à impossibilidade de saída ou escape das fazendas em razão a dividas fraudulentas ou guardas armados.

4 - As práticas anti-sindicais e a crescente agressão e criminalização aos sindicatos e trabalhadores

A falta de uma efetiva liberdade sindical aliada às políticas econômicas desenvolvidas pelos governos e à sanha desenfreada de lucro, empreendida pelo grande capital, no mundo e no Brasil, tem se refletido com maior intensidade os ataques aos direitos trabalhistas e a criminalização dos direitos sindicais e cerceamento da liberdade de organização dos trabalhadores. Cresce nas empresas públicas e privadas as denominadas práticas anti-sindicais, que acabam impondo limites ao exercício do direito sindical.

Como vimos, são chamadas de Práticas Antissindicais (PAS) aquelas que, direta ou indiretamente, cerceiam, desvirtuam ou impedem a legítima ação sindical em defesa e promoção dos interesses dos trabalhadores.

As PAS manifestam-se das mais variadas formas: 

- Ameaças à integridade física, inclusive assassinatos de dirigentes e militantes sindicais (principalmente no campo); 
- Demissões de dirigentes sindicais por parte dos empregadores; decisões da Justiça que retiram a estabilidade dos dirigentes sindicais, e que impedem a cobrança de taxas definidas pelas assembleias das entidades sindicais; 
- Restrições às negociações coletivas; 
- Aplicação do interdito proibitório, que dificulta a greve e que estabelece multas absurdas para entidades sindicais quitarem; 
- Discriminações de vários tipos, inclusive com patrões, dificultando, ao máximo a filiação dos trabalhadores e trabalhadoras aos sindicatos, e quando sindicalizados, forçando a que se dessindicalizarem; 
- Assédio moral; impedimento legal à organização por local de trabalho; 
- Repressão à imprensa sindical; impedimento de acesso do dirigente sindical ao local de trabalho; 
- Implantação da reestruturação produtiva que desregulamenta , terceiriza, precariza o trabalho dificultando a organização sindical.

Enfim, há uma série de práticas que dificultam ou até mesmo impedem, que as entidades sindicais possam atuar com liberdade, para desempenhar adequadamente seu papel. Tanto a OIT, quanto a legislação sindical brasileira identificam como crime essas as práticas, cada dia mais presente nas empresas governamentais federais, estaduais e municipais, e no setor privado. O movimento sindical tem que enfrentar, urgentemente, essas questões. No projeto de Reforma Sindical, discutido no Fórum Nacional do Trabalho, durante o Governo Lula, as centrais sindicais conseguiram, com muita dificuldade política, devido à oposição intransigente dos empresários, os seguintes itens, que devem balizar a ação sindical em defesa da liberdade e autonomia sindical. Estas premissas são a base de uma ação política dos sindicatos, e de um projeto de lei que deve ser encaminhado ao congresso nacional:

Denunciar sempre que os patrões e os governos:

- Comportar-se de maneira a impedir ou limitar a liberdade e a atividade sindical, bem como o exercício do direito de greve. 
- Subordinar a admissão ou a preservação do emprego à filiação ou não a uma entidade sindical.
- Subordinar a admissão ou a preservação do emprego ao desligamento de uma entidade sindical
- Despedir ou discriminar trabalhador em razão de sua filiação a sindicato, participação em greve, atuação em entidade sindical ou em Representação dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho
- Conceder tratamento econômico de favorecimento com caráter discriminatório em virtude de filiação ou atividade sindical
- Interferir nas organizações sindicais de trabalhadores
- Induzir o trabalhador a requerer sua exclusão de processo instaurado por entidade sindical em defesa de direito individual
- Contratar, fora dos limites desta Lei, força de trabalho com o objetivo de substituir trabalhadores em greve.
- Constranger o trabalhador a comparecer ao trabalho com o objetivo de frustrar ou dificultar o exercício do direito de greve

Em relação aos empregados, o Art.177 do Anteprojeto de Lei, fixa em alguns incisos as práticas anti-sindicais praticadas, como por exemplo:

- Induzir o empregador a admitir ou dispensar alguém em razão de filiação ou não a uma Entidade Sindical;
- Interferir nas Organizações Sindicais de empregadores;
- Violar o dever de boa-fé na negociação coletiva;
- Deflagrar greve sem a prévia comunicação. 

5 – O que fazer?

Ações que o movimento sindical devem priorizar, no enfrentamento deste tema
- Lançar campanhas, com cartazes, bottons, camisetas, folders, jornais, vídeos, exposições de fotografias, denunciando o tema, e mobilizando a sociedade civil e os trabalhadores à luta.
- Realizar Atos Públicos de denúncia das PAS (Práticas Anti Sindicais, principalmente no que se refere às perseguições, constrangimentos, inquéritos policiais, ameaças e assassinatos de dirigentes sindicais. 
- Ampliar o combate às PAS, incluindo várias entidades dos movimentos sociais. 
- Denunciar ao Executivo, ao Legislativo, ao Judiciário, a OIT quaisquer PAS cometidas contra as entidades sindicais, seus dirigentes e militantes. 
- Divulgar amplamente, para todas as entidades sindicais e movimentos sociais, as PAS cometidas e as medidas que estão sendo tomadas, no sentido de coibi-las. 
- Aproveitar todos eventos , como plenárias, congressos, seminário, passeatas, e as as datas de luta do movimento sindical - como o 8 de março, 1° de maio, 13 de maio, dia do servidor público, etc, - para denunciar as PAS e divulgar o movimento de combate.
-Realizar debates, seminários, congressos, convidando o Ministério Público do Trabalho, OAB, pastorais das igrejas, prefeituras democráticas e populares, OIT, e setores do governo que defendem e promovem os direitos dos trabalhadores, a imprensa progressista (o PIG – Globo, Folha, Estadão, Veja, Época- não adianta, que eles são os principais produtores, reprodutores e propagadores da criminalização dos movimentos sociais e sindicatos e do ataque aos direitos dos trabalhadores) para debater o temas das PAS com as entidades sindicais, e buscar ações públicas e coletivas comuns.

Nossos direitos foram todos conquistados nas lutas. O sindicato é o instrumento coletivo de combate de classe, e só a luta coletiva faz frear e recuar o avanço incivilizatório do capital quanto aos direitos da classe trabalhadora. 2013 estes temas devem fazer parte da agenda, planejamento de gestão, campanhas salariais, negociações coletivos, ações no legislativo e no judiciário, nos cursos de formação política, comunicação, temas transversais, isto é, em todas as frentes da luta sindical. Um ano de desafios, lutas e conquistas.

(1) Professor da UERJ, bacharel e licenciado em História/UFF, , mestre em Educação/UFF, doutor em Políticas Públicas e Formação Humana/UERJ,  educador e pesquisador sindical, assessor do SINPAF e da CUT-RJ

Cotistas estão entre as maiores notas do Sisu


Divulgação
De acordo com um balanço preliminar do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), ao contrário do que dizem os críticos às cotas, os alunos cotistas vem apresentando um alto desempenho no programa. Entre as 10 maiores notas de corte do país, três foram obtidas por candidatos que poderão se beneficiar da reserva de vagas.



A seleção está aberta até a próxima sexta-feira (11) para estudantes se inscreverem em 101 instituições públicas de ensino superior que usam o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como porta de entrada.

No caso do curso de medicina da Universidade Federal de Ouro Preto, está mais difícil ingressar pelo sistema de cotas. A pontuação mínima, para esses estudantes, chegou a 808,70 — maior que a nota de corte na ampla concorrência, de 808,56. Os dados foram divulgados pelo Ministério da Educação, nesta terça-feira (8), que também anunciou a concessão de bolsas de R$ 400 mensais para cotistas.

A pontuação mínima para entrar em cada curso é calculada com base na nota dos estudantes que se inscreveram naquela graduação desde que o Sisu foi aberto, na segunda-feira (7). 

O sistema avalia os melhores índices dos candidatos para chegar à pontuação de corte. Como os alunos fazem duas opções e poderão migrar entre os 3.751 cursos oferecidos até sexta-feira (11) — quando termina o prazo para as inscrições — as notas podem mudar. Até esta terça-feira (8), 1,2 milhão de estudantes tinham feito o cadastro.

Para o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, o mais importante nesse momento é que os alunos fiquem atentos aos índices mínimos do curso pleiteado, calculados pelo MEC uma vez por dia, às 2h da manhã. “Viu que não dá para entrar, o candidato pode mudar de instituição, de estado ou procurar outro curso”, afirmou. Mercadante ressaltou que cotistas também podem, no decorrer da semana, tentar vaga em ampla concorrência, se for vantajoso. Valerá a última inscrição feita.

Fonte: Correio Braziliense

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Pesquisa revela como o racismo é abordado nos jornais brasileiros


Tatiana Félix
Jornalista da Adital


Divulgação
A pesquisa Imprensa e Racismo: Uma análise das tendências da cobertura jornalística publicada hoje (17) pela Rede ANDI – Comunicação e Direitos demonstra como os principais jornais brasileiros estão tratando a questão do racismo na hora de informar a população. No total, mais de 1.600 textos, de 54 jornais de todas as regiões do Brasil, foram analisados entre 2007 e 2010.


O resultado é que a pesquisa verificou que a maior parte das notícias sobre negros estão relacionadas às políticas públicas, nas capitais e centros urbanos, ignorando as áreas rurais e periféricas, onde estão concentradas as populações mais vulneráveis – e esquecidas. Seguindo essa tendência, foi constatado que o debate concentra-se mais nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste desconsiderando a realidade das regiões Norte e Nordeste do país.

Os dados revelam ainda que a concentração do noticiário gira em torno de dispositivos de enfrentamento ao racismo com ações afirmativas como cotas para ingresso em universidades (18%), igualdade, desigualdade de raça e etnia (16,4%). Mas, por outro lado, temas importantes de interesse da população negra ficaram invisibilizados recebendo pouca atenção dos jornais como no caso da saúde da população negra; relações de raça, gênero e etnia; e Ensino da História da África.

Quando abordam quilombolas, as notícias geralmente tratam da questão agrária, "regularização fundiária, processo administrativo para reconhecimento das terras e violência relacionada a conflitos fundiários”.

Sobre um dos problemas que mais atinge a população negra, o estudo percebeu uma tendência dos periódicos em "dissociar as violências físicas praticadas contra a população negra no país e o debate sobre seu contexto de produção”, ou seja, separam os atos de violência contra negros da análise sobre racismo, como se um fato não estivesse ligado ao outro.

"Uma análise complementar evidenciou que nos espaços noticiosos em que se debate racismo, as violências físicas não são suficientemente problematizadas, enquanto nos espaços reservados ao registro de violências físicas não se debate racismo, omitindo-se até mesmo a referência às características socioeconômicas ou étnico-raciais das vítimas”, relata o estudo.

Um fato que chamou a atenção na pesquisa é que diferente do esperado foi um jornal de veiculação regional/local, o periódico A Tarde (BA), o que mais noticiou sobre racismo no país, com 13,1% das matérias analisadas. Em segundo lugar aparece o jornal de alcance nacional, O Estado de S.Paulo, com 8,4% das matérias estudadas.

Fonte: www.adital.com.br

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O COMUNISMO ÉTICO DE OSCAR NIEMEYER


Nas nossas conversas, sentia alguém com uma profunda saudade de Deus. Invejava-me que, me tendo por inteligente (na opinião dele) ainda assim acreditava em Deus, coisa que ele não conseguia. Mas eu o tranquilizava ao dizer: o importante não é crer ou não crer em Deus. Mas viver com ética, amor, solidariedade e compaixão pelos que mais sofrem. Pois, na tarde da vida, o que conta mesmo são tais coisas
 Leonardo Boff
Não tive muitos encontros com Oscar  Niemeyer. Mas os que tive foram longos e densos. Que falaria um arquiteto com um teólogo senão sobre Deus, sobre religião, sobre a injustiça dos pobres e sobre o sentido da vida?
Nas nossas conversas, sentia alguém com uma profunda saudade de Deus. Invejava-me que, me tendo por inteligente (na opinião dele) ainda assim acreditava em Deus, coisa que ele não conseguia. Mas eu o tranquilizava ao dizer: o importante não é crer ou não crer em Deus. Mas viver com ética, amor, solidariedade e compaixão pelos que mais sofrem. Pois, na tarde da vida, o que conta mesmo são tais coisas. E nesse ponto ele estava muito bem colocado. Seu olhar se perdia ao longe, com leve brilho.
Impressionou-se sobremaneira, certa feita, quando lhe disse a frase de um teólogo medieval: “Se Deus existe como as coisas existem, então Deus não existe”. E ele retrucou: “mas que significa isso?” Eu respondi:  “Deus não é um objeto que pode ser encontrado por ai; se assim fosse, ele seria uma parte do mundo e não Deus”. Mas então, perguntou ele: “que raio é esse  Deus?” E eu, quase sussurrando, disse-lhe: “É uma espécie de Energia poderosa e amorosa que cria as condições para que as coisas possam existir; é mais ou menos como o olho: ele vê tudo mas não pode ver a si mesmo; ou como o pensamento: a força pela qual o pensamento pensa, não pode ser pensada”. E ele ficou pensativo. Mas continuou: “a teologia cristã diz isso?” Eu respondi: “diz mas tem vergonha de dizê-lo, porque então deveria antes calar que falar; e vive falando, especialmente os Papas”. Mas consolei-o com uma frase atribuída a Jorge Luis Borges, o grande argentino:”A teologia é uma ciência curiosa: nela tudo é verdadeiro, porque tudo é inventado”.  Achou muita graça.  Mais graça achou com uma bela trouvaille  de um gari do Rio, o famoso “Gari Sorriso: “Deus é o vento e a lua; é a dinâmica do crescer; é aplaudir quem sobe e aparar quem desce”. Desconfio que Oscar não teria dificuldade de aceitar esse Deus tão humano e tão próximo a nós.
Mas sorriu com suavidade. E eu aproveitei para dizer: “Não é a mesma coisa com sua arquitetura? Nela tudo é bonito e simples, não porque é racional mas porque tudo é inventado e fruto da imaginação”. Nisso ele concordou adiantando que na arquitetura se inspira mais lendo poesia, romance e ficção do que se entregando a elucubrações  intelectuais. E eu ponderei: “na religião é mais ou menos a mesma coisa: a grandeza da religião é a fantasia, a capacidade utópica de projetar reinos de justiça e céus de felicidade. E grande pensadores modernos da religião como Bloch, Goldman, Durkheim, Rubem Alves e outros não dizem outra coisa: o nosso equívoco foi colocar a religião na razão quando o seu nicho natural se encontra no imaginário e no princípio esperança. Ai ela mostra a sua verdade. E nos pode inspirar um sentido de vida.”
Para mim a grandeza de Oscar Niemeyer não reside apenas na sua genialidade, reconhecida e louvada no mundo inteiro. Mas na sua concepção da vida e da profundidade de seu comunismo. Para ele “a vida é um sopro”, leve e passageiro. Mas um sopro vivido com plena inteireza. Antes de mais nada, a vida para ele não era puro desfrute, mas criatividade e trabalho. Trabalhou até o fim, como Picazzo, produzindo mais de 600 obras. Mas como era inteiro, cultivava as artes, a literatura e as ciências. Ultimamente se pôs a estudar cosmologia  e física quântica. Enchia-se de admiração e de espanto diante da grandeur do universo.
Mas mais que tudo cultivou a amizade, a solidariedade e a benquerença para com todos. “O importante não é a arquitetura” repetia muitas vezes, “o importante é a vida”. Mas não qualquer vida; a vida vivida na busca da transformação necessária que supere as injustiças contra os pobres, que melhore esse mundo perverso, vida que se traduza em solidariedade e amizade. No JB de 21/04/2007 confessou: ”O fundamental é reconhecer que a vida é injusta  e só de mãos dadas, como irmãos e irmãs, podemos vive-la melhor”.
Seu comunismo está muito próximo daquele dos primeiros cristãos, referido nos Atos dos Apóstolos nos capítulos 2 e 4. Ai se diz que “os cristãos colocavam tudo em comum e que não havia pobres entre eles”. Portanto, não era um comunismo ideológico mas ético e humanitário: compartilhar, viver com sobriedade, como sempre viveu, despojar-se do dinheiro e ajudar a quem precisasse. Tudo deveria ser comum. Perguntado por um jornalista se aceitaria a pílula da eterna juventude, respondeu coerentemente: “aceitaria se fosse para todo mundo;  não quero a imortalidade só para mim”.
Um fato ficou-me inesquecível. Ocorreu nos inícios dos anos 80 do século passado. Estando Oscar em Petrópolis, me convidou para almoçar com ele. Eu havia chegado naquele dia de Cuba, onde, com Frei Betto, durante anos dialogávamos com os vários escalões do governo (sempre vigiados pelo SNI), a pedido de Fidel Castro, para ver se os tirávamos da concepção dogmática e rígida do marxismo soviético. Eram tempos tranquilos em Cuba que, com o apoio da União Soviética, podia levar avante seus esplêndidos projetos de saúde, de educação e de cultura. Contei que, por todos os lados que tinha ido em Cuba, nunca encontrei favelas mas uma pobreza digna e operosa. Contei mil coisas de Cuba que, segundo frei Betto, na época era “uma Bahia que deu certo”. Seus olhos brilhavam. Quase não comia. Enchia-se de entusiasmo ao ver que, em algum lugar do mundo, seu sonho de comunismo poderia, pelo menos em parte, ganhar corpo e ser bom para as maiorias.
Qual não foi o meu espanto quando,  dois dias após, apareceu na Folha de São Paulo, um artigo dele com um belo desenho de três montanhas, com uma cruz em cima. Em certa altura dizia: “Descendo a serra de Petrópolis ao Rio, eu que sou ateu, rezava para o Deus de Frei Boff para que aquela situação do povo cubano pudesse um dia se realizar no Brasil”. Essa era a generosidade cálida, suave  e radicalmente humana de Oscar Niemeyer.
Guardo uma memória perene dele. Adquiri de Darcy Ribeiro, de quem Oscar era amigo-irmão, uma pequeno apartamento no bairro do Alto da Boa-Vista, no Vale Encantando. De lá se avista toda a Barra da Tijuca até o fim do Recreio dos Bandeirantes.  Oscar reformou aquele apartamento para o seu amigo, de tal forma que de qualquer lugar que estivesse, Darcy (que era pequeno de estatura), pudesse ver sempre o mar. Fez um estrado de uns 50 centrímetros de altura E como não podia deixar de ser, com uma bela curva de canto, qual onda do mar ou corpo da mulher amada. Ai me recolho quando quero escrever e meditar um pouco, pois um teólogo deve cuidar também de salvar a sua alma.
Por duas vezes se ofereceu para fazer uma maquete de igrejinha para o sítio onde moro em Araras em Petrópolis. Relutei, pois considerava injusto valorizar minha propriedade com uma peça de um gênio como Oscar. Finalmente, Deus não está nem no céu nem na terra, está lá onde as portas da casa estão abertas.
A vida não está destinada a desaparecer na morte mas a se transfigurar alquimicamente através da morte. Oscar Niemeyer apenas passou para o outro lado da vida, para o lado invisível. Mas o invisível faz parte do visível. Por isso ele não está ausente,  mas está presente, apenas invisível. Mas sempre com a mesma doçura, suavidade, amizade, solidariedade e amorosidade que permanentemente o caracterizou. E de lá onde estiver, estará fantasiando, projetando e criando mundos belos, curvos e cheios de leveza.
Fonte: www.cebs-sul1.com.br

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

O Corrupto


Frei Beto
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Padre Vieira, em São Luís do Maranhão, no sermão em homenagem à festa de santo Antônio, em 1654, indagava: "O efeito do sal é impedir a corrupção, mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção?" A seu ver, havia duas causas principais: a contradição de quem deveria salgar e a incredulidade do povo diante de tantos atos que não correspondiam às palavras.
O corrupto caracteriza-se por não se admitir como tal. Esperto, age movido pela ambição de dinheiro. Não é propriamente um ladrão. Antes, trata-se de um requintado chantagista, desses de conversa frouxa, sorriso amável, salamaleques gentis. O corrupto não se expõe; extorque. Considera a comissão um direito; a porcentagem, pagamento por seus serviços; o desvio, forma de apropriar-se do que lhe pertence. Bobos são aqueles que fazem tráfico de influência sem tirar proveito. 

Há muitos tipos de corruptos. O corrupto oficial é aquele que se vale de uma função público para tirar proveitos a si, à família e aos amigos. Troca a placa do carro, embarca a mulher com passagem cuesteada pelo erário, faz gastos e obriga o contribuinte a pagar. Considera natural o superfaturamento, a ausência de licitação, a concorrência com cartas marcadas.
 

A lógica do corrupto é corrupta: "Se não faço, outro leva vantagem em meu lugar". Seu único temor é ser apanhado em flagrante delito. Não se envergonha de se olhar no espelho, apenas teme ver seu nome estampado nos jornais. Confiante, jamais imagina a filha pequena a indagar-lhe: "Papai, é verdade que você é corrupto?"
 

O corrupto não sente nenhum escrúpulo em receber caixas de uísque no Natal, presentes caros de fornecedores ou andar de carona em jatinhos de empresários. Afrouxam-lhe com agrados e, assim, ele afrouxa a burocracia que retém as verbas públicas.
 

Há o corrupto privado. Nunca menciona quantias, tão-somente insinua, cauteloso, como se convencido de que cada uma de sua palavras estão sendo registradas por um gravador. Assim, ele se torna o rei da metáfora. Nunca é direto. Fala em circunlóquios, seguro de que o interlocutor saberá ler nas entrelinhas.
 
O corrupto franciscano pratica o toma lá, dá cá. Seu lema é "quem não chora, não mama". Não ostenta riquezas, não viaja ao exterior, faz-se de pobretão para melhor encobrir a maracutaia. É o primeiro a indignar-se quando o assunto é a corrupção que grassa pelo país. O corrupto exibido gasta o que não ganha, constrói mansões, enche o latifúndio de bois, convencido de que puxa-saquismo é amizade e sorriso cúmplice, cegueira. Vangloria-se em sua astúcia em enganar a esposa e mentir aos colegas. 

O corrupto nostálgico orgulha-se do pai ferroviário, da mãe professora, de sua origem humilde na roça, mas está intimamente convencido de que, tivessem as mesmas oportunidades de meter a mão na cumbuca, seus antepassados não deixariam passar.
 O corrupto não sorri, agrada; não cumprimenta, estende a mão; não elogia, incensa; não possui valores, apenas saldo bancário. Se tal modo se corrompe que nem mais percebe que é um corrupto. Julga-se um negocista bem sucedido. 

Melífluo, o corrupto é cheio de dedos, encosta-se nos honestos para se lhe aproveitar a sombra, trata os subalternos com uma dureza que o faz parecer o mais íntegro dos seres humanos. Aliás, o corrupto acredita piamente que todos o consideram de uma lisura capaz de causar inveja em madre Teresa de Calcutá.
 O corrupto julga-se dotado de uma inteligência que o livra do mundo dos ingênuos e torna mais arguto e esperto do que o comum dos mortais.