terça-feira, 19 de março de 2013

Futuros covardes vestidos com a toga

Houve uma época, é claro, em que nós cinco não conhecíamos um ao outro...Ainda não conhecemos um ao outro, mas aquilo que é possível e tolerável para nós cinco possivelmente não será tolerado por um sexto. Em todo caso, somos cinco e não queremos ser seis....
Longas explicações poderiam resultar que o aceitássemos em nosso círculo, de modo que preferimos não explicar e não aceitá-lo.... Franz Kafka, Amizade.

Alisson Ferreira  

Acompanhei com repugnância e porque não dizer, com ira, os deploráveis atos com contornos DEGRADANTES impetrados a calouros do curso de DIREITO da UFMG. 

O grande filosofo, advogado e orador romano, Cícero, declarou: "A lei é inteligência, e sua função natural é impor o procedimento correto e proibir a má ação." É bem capaz que os estudantes "veteranos" da UFMG, que cometeram o "trote", tenham se deparado com essa citação em algum momento de seu curso. Porém, a aplicabilidade da beleza dessa declaração foi substituída por um profundo contra-testemunho de seu aprendizado. Um bom estudante de DIREITO saberia que é CRIME colocar qualquer pessoa em situação de vexame ou degradação pessoal, assim está expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos, "artigo V - Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante." 

Como confiar a sublime arte de defender e aplicar a lei, a indivíduos tão esvaziados de humanidade? A arte de advogar não pode ser entregue a esses "infelizes". Esses, deformam a essência do direito e zombam de sua aplicabilidade, são covardes que se travestem de estudantes e que desrespeitam um semelhante por simples prazer. 

Estão zombando de nós! Sim, estão. Frequentam Universidades Públicas e atacam a imagem de nossas instituições ferindo a integridade de um semelhante, de um CIDADÃO. Fazem isso e saúdam o escárnio realizado, com sarcasmo e gestual NAZISTA. Colorem de NEGRO uma jovem e a "batizam" com o nome de uma escrava: "Chica da Silva". Ferem a integridade da jovem e destilam sentimentos racistas nesse ato. 


Esses futuros advogados e juízes desmoralizam a profissão e fornecem o que o cantor Renato Russo cantou: "sempre mais do mesmo". A descrença na justiça é algo sempre recorrente nos bate papos cotidianos. Vivemos uma crise ÉTICA e isso fica mais claro a cada dia. O que esperar de um PAÍS onde estudantes de direito alicerçam seu aprendizado na desmoralização das leis e do ser humano? 

Me respondam, devemos ser tolerantes aos desvios desses estudantes? Ou exigiremos punição aos atos e a reconstrução do RESPEITO perdido? Que saibamos enxergar no outro a dignidade que desejamos e preservamos em nós. 

Nosso país não pode cair nas mãos de " futuros covardes vestidos com a toga". Que sejam todos punidos exemplarmente e basta de "trotes" em nossas Universidades! 

quinta-feira, 14 de março de 2013

A ajuda humanitária que gera dependência


Divulgação
Luta contra a fome – uma bandeira que praticamente todos levantam. Mas há acusações de que muitos dos que dizem querer ajudar na verdade se beneficiam da miséria alheia.
O Haiti é o exemplo típico de uma política que traz lucro para os países desenvolvidos e prejudica os pequenos agricultores locais – justamente as vítimas da fome. Essa é a avaliação do diplomata Jean Feyder, de Luxemburgo, presidente da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).
Em seu livro Mordshunger (em tradução livre "Fome voraz"), Feyder retrata o drama da ilha caribenha: até 30 anos atrás, os agricultores haitianos produziam arroz suficiente para a população do país. O Haiti foi então obrigado a reduzir suas taxas de importação de 50% para 3%. Alimentos subvencionados importados dos Estados Unidos arruinaram a agricultura local. Os produtores perderam seu meio de subsistência e cada vez mais pessoas começaram a passar fome.
Hoje, o Haiti importa dos Estados Unidos 80% do arroz que consome – e assim está à mercê dos caprichos dos mercados internacionais. Mesmo antes do terremoto que devastou o país em janeiro de 2010, o Haiti já era um dos países mais pobres do planeta.  O ex-presidente norte-americano Bill Clinton, que fez forte pressão pela redução nas tarifas alfandegárias haitianas, arrependeu-se de sua política: "Talvez tenha sido bom para alguns dos meus fazendeiros em Arkansas, mas foi um erro".
O que aconteceu com o Haiti, diz Jean Feyder à Deutsche Welle, vale para muitos outros países. Também os membros da União Europeia (UE) lucraram com a exportação de grãos, carne de aves, leite em pó ou polpa de tomate a preços que arruinaram produtores rurais nos países em desenvolvimento.
Ajuda que beneficia os países doadores
Assim, o Haiti e outros países tornaram-se dependentes de ajuda humanitária. Só que essa ajuda não é dada sem interesses próprios. "A doação de alimentos não pode continuar servindo como meio de os países doadores se livrarem de seus excedentes agrícolas e explorarem novos mercados", critica Feyder.
O princípio de ajuda útil para o próprio doador fica evidente no programa Food for Peace, dos Estados Unidos. Como maior país doador, os EUA vinculam quase um terço de sua ajuda econômica ao fornecimento de bens e serviços. Assim, produtos agrários norte-americanos são transportados por longas distâncias sob a bandeira dos Estados Unidos.
Os países que recebem a ajuda precisam comprovar, reprova Feyder, "que podem se tornar mercados consumidores dos produtos agrários norte-americanos". Lá os alimentos são distribuídos ou vendidos para financiar mais ações humanitárias.
A venda e distribuição garantem lucros a terceiros. Os agricultores locais sofrem. Segundo um representante da organização humanitária Care, no Quênia, se está destruindo o que se quer construir. Onde se tentou desenvolver um meio de subsistência para os agricultores através do cultivo de óleo de girassol, foram despejadas no mercado toneladas de óleo de cozinha subvencionado por programas de ajuda humanitária.
A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) quer reformas. Mas as tentativas de acabar com a monetarização do fornecimento de alimentos fracassou no Congresso. Além de agricultores e empresas de transporte, também organizações de ajuda humanitária protestaram por não abrirem mão do financiamento de seus programas.
Enquanto o governo dos Estados Unidos lutava, em 2010 o Programa Mundial de Alimentação (WFP, do inglês) das Nações Unidas respondeu por "78% dos alimentos comprados em países em desenvolvimento".
Esforço decepcionante
Organizações humanitárias, países doadores e em desenvolvimento entraram em acordo sobre uma forma mais efetiva de ajuda ao desenvolvimento em 2005. Em uma conferência em Paris, decidiu-se que deveria haver melhor coordenação, alinhada com as necessidades dos beneficiários, e que os resultados precisariam ser avaliados.
A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) fez um balanço das medidas em 2011. Das 13 metas acordadas, apenas uma foi alcançada. O resultado foi considerado "decepcionante" pela OCDE.
Desiludido, o economista queniano James Shikwati pede o fim da ajuda ao desenvolvimento. De acordo com suas convicções, essa ajuda serve principalmente aos interesses políticos dos doadores. Na África, quem mais se beneficia da ajuda humanitária são os governos corruptos. A dependência foi aprofundada.
A declaração do ministro alemão para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Dirk Niebel, de que gostaria que fosse dado mais valor aos interesses da economia alemã foi considerada por Shikwati como "honesta". Em conversa com o "europeu", ele pediu a Niebel que "não prejudicasse os interesses econômicos da África através da ajuda humanitária", mas que se preocupasse em promover comércio justo.
Especialmente em regiões de conflito a ajuda humanitária cai em mãos erradas. De acordo com a agência de notícias Associated Press (AP), em agosto de 2011 foram roubados na Somália milhares de sacos de alimentos para as vítimas da catástrofe da fome.  O WFP anunciou que o roubo está sendo investigado.
Residentes de um dos campos de refugiados contaram que, depois de terem sido fotografados com sacos de milho, os alimentos foram novamente tomados deles. Nos mercados da capital, Mogadíscio, eram vendidos sacos com alimentos com selos do WFP, da Usaid e do governo japonês.
Ajuda aos famintos pode prolongar guerras
Já em 2010, um relatório do Grupo de Monitoramento da ONU para a Somália concluiu que metade da ajuda alimentar do WFP era roubada por senhores da guerra, comerciantes corruptos ou funcionários corruptos do próprio WFP. A organização negou isso.
A jornalista e escritora holandesa Linda Polman (A Indústria da Caridade. Os bastidores das organizações de ajuda internacional) conhece o mau uso da ajuda humanitária. Durante a fome na Somália nos anos 1990, ela testemunhou como os senhores da guerra roubavam suprimentos dos famintos para comprar armas. A ajuda pode prolongar uma guerra, assegura Polman, pois, segundo ela, "na guerra, alimento é arma."
Em entrevista à Deutsche Welle, Polman alerta para que não se glorifique instituições de caridade. Segundo ela, existe uma "indústria da ajuda", de instituições de caridade concorrentes e que têm interesses comerciais. Mesmo que tenham boas intenções, diz Polman, as organizações humanitárias vivem da fome e da ajuda humanitária. Elas concorrem pelo dinheiro de doadores e cooperam muito pouco entre si. E os poderosos nos países beneficiários se utilizam disso.
Segundo estimativas das Nações Unidas, existem cerca de 37 mil organizações internacionais de ajuda humanitária em todo o mundo. Na conta não estão incluídas iniciativas privadas. Polman apela aos doadores que controlem melhor projetos e instituições.
Transparência contra a corrupção – Open Aid
Wolfgang Wodarg já foi membro da comissão de Cooperação e Desenvolvimento Econômico do parlamento alemão e visitou muitos projetos de ajuda internacional. Hoje, Wodarg trabalha na diretoria da organização Transparency International na Alemanha.
Em entrevista à Deutsche Welle, ele estimou que apenas 10% da ajuda internacional chegam às pessoas que realmente precisam dela. "Corrupção e conflito de interesses são parte integrante da cooperação para o desenvolvimento", reclama Wodarg. E a única forma de combater esse mal é aumentar a transparência.
Para isso foi criado o movimento Open Aid: doadores e instituições de caridade devem publicar em uma plataforma comum tudo o que recebem em forma de financiamento. Os beneficiários devem ser incluídos. O objetivo é criar um sistema que permita que qualquer pessoa na internet possa ter acesso a todas as organizações, projetos e resultados da ajuda internacional. E assim se pode ver, também, quem de fato se beneficiou.
Autora: Andrea Grunau (ff)
Revisão: Roselaine Wandscheer

segunda-feira, 11 de março de 2013

Artista Plástica divinopolitana, Marli Rodrigues expõe obra sobre "Emilinha Borba"




Emília Savana de Sousa Costa da Silva Borba, ou simplesmente Emilinha Borba, nasceu no bairro da Mangueira, na cidade do Rio de Janeiro, em 31 de agosto de 1923. Ainda menina e contrariando um pouco a vontade de sua mãe, apresentava-se em diversos programas de auditório e de calouros. Ganhou seu primeiro prêmio aos 14 anos, na 'Hora Juvenil', da Rádio Cruzeiro do Sul. Daí para frente, ela só foi acumulando sucessos e mais sucessos.

Em 1942, foi contratada pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, desligando-se meses depois. Em setembro de 1943, retornou ao 'cast' daquela emissora, firmando-se a partir de então. Durante os 27 anos, lá permaneceu contratada como a 'Estrela Maior' da emissora PRE-8, a líder de audiência. Enquanto esteve na emissora, Emilinha atingiu o ápice de sua carreira artística, tornando-se a cantora mais querida e popular do país.
A primeira obliteração do Selo ocorreu no dia
08/03/2013, na Agéncia dos Correio Central de
Divinópolis, Minas Gerais, Brasil.
Selo
E foi para homenagear a 'Rainha do Rádio' que a artista plástica Marli Rodrigues*, em parceria com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, inaugurou a exposição em homenagem a Emilinha Borba, com a presença de convidados especiais.
Na ocasião, foi lançado o selo criado por Marli e que leva a foto da cantora. A imagem é do acervo de Ailton La Borba, divinopolitano e presidente do fã-clube de Divinópolis. A possibilidade de homenagem foi concedida com a autorização de uso de imagem pelo filho de Emilinha Borba, Artur Emilio de Souza Costa.
Na Agência Central dos Correios, em Divinópolis, estiveram presentes vários convidados especiais, como Luiz Antônio Brimatti Moretti, gerente da região de vendas Oeste de Minas dos Correios; a filatelista Fabiana Lima, funcionária dos Correios responsável pelo espaço cultural 'Arte Postal', que fica no saguão principal da agência onde fica a exposição 'Emilinha Borba e a época de ouro do rádio'.
Fonte: Jorge Guimarães, Jornal Agora
_______________________________
* Marli Rodrigues, artista plástica divinopolitana (Divinópolis, Minas Gerais, Brasil), criadora do selo “Emilinha Borba. Um sonho nacional”. Marli detém a propriedade intelectual da obra.

sexta-feira, 1 de março de 2013

DEUS É NEGRO


* Frei Beto


Trago no sangue uma África. O reboar de tambores, a ponta afiada de lanças, os riscos coloridos realçando a pele e, na boca, o gosto atávico dos frutos do Jardim do Éden. Na alma, as cicatrizes abertas de tantos açoites, o grito imperial dos caçadores de gente, os filhos apartados de seus pais e os maridos de suas mulheres, o balanço agônico da travessia do Atlântico e, nos porões, a morte ceifando corpos engolidos pelo mar e triturados pelos dentes afiados dos peixes.

Sou filho de Ogum e Oxalá, devoto de Iemanjá, a quem elevo as oferendas de todas as dores e cores, lágrimas e sabores, o choro inconsolável das senzalas, a carne lanhada de cordas, os pulsos e os tornozelos a ferros, a solidão da raça, o ventre rasgado e engravidado pela feroz pulsão dos senhores da Casa Grande.

Restam-me, na cuia de madeira, as sobras do suíno descarnado e, enquanto a mesa colonial saboreia o lombo, rasgo peles e orelhas, refogo em banha o feijão, fatio em paio as carnes, frito lingüiças e torresmos, apimento e condimento, e me empanturro. No alambique, colho a seiva ardente da cana, e me transporto aos ancestrais, às savanas e florestas, ao tempo de imensurável liberdade.

Nas noites de Casa Grande vazia e capatazes bêbados, enfeito o meu corpo de tinturas e, espelhado no reflexo da Lua, adorno braços e pernas, cubro-me de colares e braçadeiras e, ao som inebriante do batuque, danço, danço, danço, exorcizando tristezas, exconjurando maus espíritos, imprimindo ao movimento de todos os meus membros o impulso irrefreável do vôo do espírito.

Sou escravo e, no entanto, senhor de mim mesmo, pois não há ferrolho que me tranque a consciência nem moralismo que me faça encarar o corpo com os olhos da vergonha. Faço do sexo festa, do carinho, liturgia, do amor, bonança, multiplicando a raça na esperança de quem fertiliza sementes. Dou ao senhor novos braços que haverão de derrubá-lo de seu trono.

Comungo a exuberância da natureza, as copas das árvores são meus templos, do fogão de lenha trago as ofertas, em meu ser trafegam, céleres, cavalos alados, e sigo o mapa traçado pelos búzios, que me ensinam que não há dor que sempre dura, mas o verdadeiro amor perdura. Tão povoado é o céu de minhas crenças que não rejeito nem mesmo a santeria do clero. Antes, reverencio o cavalo de são Jorge, transfiro aos altares a devoção aos meus orixás, lanço ao rio a Virgem negra na fé de que, entre tantas brancas, trazidas no andor do senhor de escravos, chegará o tempo em que a minha será Aparecida e, a seus pés, também os joelhos dos brancos haverão de se dobrar.

Sou liberto e, no fundo das matas, recrio um espaço de liberdade, defendendo com espírito guerreiro o meu reduto de paz. No quilombo, volto à África, resgato a força mistérica do meu idioma, celebro reisados e congadas, o canto livre ecoando no coro da passarada, as águas da cachoeira expurgando-me de todo temor, as árvores em sentinela cobertas de mil olhos vigilantes.

Cidadão brasileiro, ainda luto por alforria, empenhado em abolir preconceitos e discriminações, grilhões forjados na inconsciência e inconsistência dos que insistem em fazer da diferença divergência e ignoram que Deus é também negro.

* Frei Betto é escritor, autor de "Batismo de Sangue" (Rocco), entre outros livros.

ENSINA A TEU FILHO

* Frei Beto

Divulgação
Ensina a teu filho que o Brasil tem jeito e que ele deve crescer feliz por ser brasileiro. Há neste país juízes justos, ainda que esta verdade soe como cacófato. Juízes que, como meu pai, nunca empregaram familiares, embora tivessem filhos advogados, jamais fizeram da função um meio de angariar mordomias e, isentos, deram ganho de causa também a pobres, contrariando patrões gananciosos ou empresas que se viram obrigadas a aprender que, para certos homens, a honra é inegociável. 
Ensina a teu filho que neste país há políticos íntegros, administradores competentes, autoridades honradas, que não se deixam corromper, não varrem as mazelas para debaixo do tapete, não temem desagradar amigos e desapontar poderosos, ousam pensar com a própria cabeça e preservar mais a honra que a vida.
Ensina a teu filho que não ter talento esportivo ou rosto e corpo de modelo, e sentir-se feio diante dos padrões vigentes de beleza, não é motivo para ele perder a auto-estima. A felicidade não se compra nem é um troféu que se ganha vencendo a concorrência. Tece-se de valores e virtudes, e desenha, em nossa existência, um sentido pelo qual vale a pena viver e morrer. 

Ensina a teu filho que o Brasil possui dimensões continentais e as mais fertéis terras do planeta. Não se justifica, pois, tanta terra sem gente e tanta gente sem terra. Assim como a libertação dos escravos tardou mas chegou, a reforma agrária haverá de se implantar. Tomara que regada com muito pouco sangue.

Saiba o teu filho que os sem-terra que ocupam áreas ociosas, griladas ou devolutas são, hoje, chamados de "bandidos", como outrora a pecha caiu sobre Gandhi sentado nos trilhos das ferrovias inglesas e Luther King ocupando escolas vetadas aos negros.
Ensina a teu filho que pioneiros e profetas, de Jesus a Tiradentes, de Francisco de Assis a Nelson Mandela, são invariavelmente tratados, pela elite de seu tempo, como subversivos, malfeitores, visionários. 

Ensina a teu filho que o Brasil é uma nação trabalhadora e criativa. Milhões de brasileiros levantam cedo todos os dias, comem aquém de suas necessidades e consomem a maior parcela de suas vidas no trabalho, em troca de um salário que não lhes assegura sequer o acesso à casa própria. No entanto, essa gente é incapaz de furtar um lápis do escritório, um tijolo da obra, uma ferramenta da fábrica. Sente-se honrada por não descer ao ralo que nivela bandidos de colarinho branco com os pés-de-chinelo. É gente feita daquela matéria-prima dos lixeiros de Vitória, que entregaram à polícia sacolas recheadas de dinheiro que assaltantes de banco haviam escondido numa caçamba.

Ensina a teu filho evitar a via preferencial dessa sociedade neoliberal que tenta nos incutir que ser consumidor é mais importante que ser cidadão, incensa quem esbanja fortuna e realça mais a estética que a ética. Convence-o de que a felicidade não resulta da soma de prazeres e a via espiritual é um tesouro guardado no fundo do coração – quem consegue abri-lo desfruta de alegrias inefáveis.
Saiba o teu filho que o Brasil é a terra de índios que não se curvaram ao jugo português e de Zumbi, de Angelim e Frei Caneca, de madre Joana Angélica e Anita Garibaldi, dom Helder Camara e Chico Mendes.
Ensina a teu filho que ele não precisa concordar com a desordem estabelecida e que será feliz ao unir-se àqueles que lutam por transformações sociais que tornem este país livre e justo. Então, ele transmitirá a teu neto o legado de tua sabedoria.
Ensina a teu filho a votar com consciência e jamais ter nojo de política, pois quem age assim é governado por quem não tem, e se a maioria o tiver será o fim da democracia. Que o teu voto e o dele sejam em prol da justiça social e dos direitos dos brasileiros imerecidamente tão pobres e excluídos, por razões políticas, dos dons da vida.
Ensina a teu filho que a uma pessoa bastam o pão, o vinho e um grande amor. Cultiva nele os desejos do espírito, a reverência pelos mais velhos, o cuidado da natureza, a proteção dos mais frágeis. .
Saiba o teu filho escutar o silêncio, reverenciar as expressões de vida e deixar-se amar por Deus que o habita.
* Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto – autobiografia escolar" (Ática), entre outros livros.