quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

A Verdade está em nossas raízes


Texto: Alisson Ferreira

Divulgação

Vivemos dias desafiadores que nos forçam a construir defesas a todo o momento. Nunca os caminhos deste mundo se mostraram tão frágeis em suas bases. Estas, outrora, solidificadas nas palavras da família, dos professores e na pregação de presbíteros e religiosos estavam, sempre, carregadas de firmeza.

Forçados a nos defender, indefesos caminhamos. Nossa educação, como sujeitos sociais e religiosos, sofreu muitas transformações. Somos filhos da modernidade esvaída que nos legou uma contemporaneidade, bem expressa e desenhada em sua liquidez, sempre disposta a nos direcionar às múltiplas possibilidades de se viver a solidão dentro de nossas comunidades.

Um amigo filósofo[1] presenteou-me com uma de suas obras literárias e a degustei página a página. Os escritos apresentavam a inquietude do homem em se redescobrir e a possibilidade desta redescoberta com a mediação de Deus. Diante dessa leitura, pus-me a evocar memórias. Aprendi, quando criança, que Deus morava comigo em minha comunidade. Na juventude, li e ouvi grandes exegetas que retiraram dos textos sagrados que o Verbo se fez carne e veio morar com os pobres. E vi, na vivência cotidiana com meus pais, que Deus é realmente comunidade quando estamos a serviço do outro. Porém, a leitura inquietou-me para a seguinte questão: onde estão as antigas verdades e seus proclamadores?

Somos frutos da tradição oral. Por mais que estejamos mergulhados em redes sociais e em informações supervelozes, construir nossa identidade sem o repasse oral de valores e tradições não é fácil. A educação religiosa está como a personagem da parábola do Filho Pródigo: saiu pela contemporaneidade à procura de valores “high tech” e se encantou com o que viu. Ela está seduzida pela “fé só minha”, uma criação da cultura atual de busca pela felicidade. Nela, não há lugar para os espaços coletivos de construção de crenças; tudo é individualizado e raso.

Em nossas instituições religiosas e de ensino formal, os tutores do ensinamento parecem sem rumo. Se por um lado alertam-nos quanto aos riscos de ancorarmos nossas vidas nas verdades passageiras da contemporaneidade, por outro, estão confusos quanto ao combate da sedução das mesmas. Os proclamadores da Verdade estão intensamente presos aos desafios deste mundo midiático, tecnocrata e ambivalente, que não procuram mais os caminhos da memória; preferem o piso frágil de nossos tempos para tentar explicar o que por si só se explica.

A Verdade está em nossas raízes. Esta é como a “Flor indefesa” de Carlos Mesters (1986,p.8-9), que transforma sangue em adubo. A nossa raiz verdadeira transforma a aridez de nossa contemporaneidade em fertilizante e mesmo indefesa, se faz forte. Ela é diferente das verdades que ouvimos todos os dias e mais presente que as proclamadas em todas as Redes Sociais. Nossa Verdade não está em nenhuma tecnologia e nem em qualquer best seller da literatura. Ela, libertadora, já nasce temida em nossos tempos e cresce na memória dos que a evocam, humildes e desejosos de transformações, nesta sociedade relativista e só. 



[1] Israel Boniek Gonçalves. Autor do livro: Águas profundas. Existencialismo e Subjetividade, FAEST, 2012.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

A estrela de Belém

Imagem Divulgação

Conta a Bíblia que sobre a cidade de Belém da Judeia reluziu uma estrela ao nascer Jesus. Provenientes da Babilônia, os reis astrólogos, também conhecidos por magos, orientaram-se por ela até chegarem à manjedoura, junto à qual adoraram o Menino.
 
 O rei Herodes, que governava a Palestina, viu na estrela um mal presságio. Já que o seu poder não tinha forças para apagar a estrela no céu, ordenou que o Messias fosse eliminado da face da Terra.
 
 O Natal é uma festa paradigmática. Seus símbolos, aparentemente infantis, são psicologicamente profundos. Viver é uma experiência natalina. A diferença é que, em torno de 25 de dezembro, três fatores se somam: o caráter religioso da festa, que impregna a boca da alma de estranho sabor de nostalgia; a fissura papainoélica do consumismo e dos presentes compulsórios; e a proximidade da virada do ano.
 
 Enquanto a compulsiva comercialização da data condena-nos à ressaca espiritual, o caráter religioso da festa deixa-nos com saudades de Deus, e a chegada do Ano-Novo reforça nosso propósito de melhorar de vida. Daí o sentimento conflitivo de quem gostaria de acordar na manhã de 25 e encontrar, nos sapatos, um símbolo de afeto, o afago à criança que dorme dentro de nós, mas sabe que, no império do mercado, a idade adulta é inimiga da infância.
 
 “Ora, direis ouvir estrelas!”, canta o poeta. Sim, temos olhos e ouvidos para os signos que expressam o novo. Na vida, nossos passos são conduzidos por estrelas, sonhos e ambições que simbolizam a fonte da felicidade. Nunca estamos satisfeitos com o que somos ou temos. Feitos de matéria transcendente, trafegamos no labirinto da existência seduzidos pelo absurdo, mas famintos de Absoluto.
 
 Para os antigos, a imagem da utopia era um jardim repleto de fontes, flores e frutos. Para a Bíblia, o Jardim do Éden, que em hebraico significa “lugar de delícias”, lá onde se suprime o limite entre o natural e o sobrenatural, o humano e o divino, o efêmero e o eterno.
 
 Hoje, nosso mal-estar advém desse horizonte estreito em que miramos estrelas cadentes. Raras as ascendentes. Iniciamos o século e o milênio como aprendizes de deuses, capazes de engendrar vida em provetas e possuir olhos eletrônicos que penetram a intimidade da matéria e do Universo, sem, no entanto, erradicar a fome, a desigualdade e a injustiça.
 
 Somos órfãos da esperança. Quase tudo está ao alcance do poder do dinheiro, exceto o que mais carecemos: um sentido para a vida. Tateamos, sonâmbulos, nessa interminável noite de insônia. Calam-se as filosofias, confinadas aos limites da linguagem; desaparecem as utopias, travestidas no mesquinho desejo de poder e posse de refinados objetos; enquanto as religiões cedem às exigências do mercado e oferecem o lúdico a quem busca luz, sem abrir as portas que nos conduzam à inefável experiência de Deus.
 
 “E agora, José?” Agora, é mudar o Natal e nós próprios. Evitar o Papai Noel consumista em cores de Coca-Cola e procurar o brilho da estrela em nossas inquietações mais profundas. Descobrir a presença do Menino em nosso coração. E, como sugeriu Jesus a Nicodemos, ousar renascer em gestos de carinho e justiça, solidariedade e alegria.
 
 Em vez de dar presentes, fazer-se presente lá onde reina a ausência: de afeto, saúde, liberdade, direitos. Dobrar os joelhos junto à manjedoura que abriga tantos excluídos, imagens vivas do Menino de Belém.
 
 Feliz Natal, Brasil! Queira Deus que o Herodes que nos habita ceda lugar aos magos que acreditam na estrela e oferecem ao milagre da vida o melhor de si.

Texto: Frei Beto

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Comenda da Consciência Negra em Divinópolis-MG

Divulgação
Será realizada na terça-feira, dia 20/11 (Dia Nacional da Consciência Negra), a sétima edição de entrega da Comenda Consciência Negra. Essa comenda faz uma homenagem a cidadãos e instituições que ajudam no fortalecimento, engrandecimento, defesa e valorização da comunidade negra divinopolitana. 

O Movimento Unificado Negro de Divinópolis-MG (MUNDI), idealizador da Comenda junto à Câmara Municipal em comunhão com outras organizações sociais e militantes negros, escolhe os agraciados com a Comenda, que é entregue anualmente, na Semana da Consciência Negra.

Vitória do Movimento Negro e da Sociedade divinopolitana

O Movimento Unificado Negro de Divinópolis conseguiu uma vitória grandiosa nesses sete anos de entrega da Comenda. Ela é a única honraria da Câmara Municipal em que os legisladores não têm a prerrogativa de escolher seus agraciados, essa ação fica a cargo do Movimento, das organizações sociais e da militância negra. 
Para Alisson Ferreira, Vice-Presidente do Movimento Unificado Negro de Divinópolis, a escolha feita por parte da comunidade é uma vitória dos movimentos sociais e da sociedade divinopolitana. "O poder Legislativo sempre teve a prerrogativa de escolher os agraciados em todas as suas honrarias destinadas a população, políticos e instituições. Festejamos essa mudança na lei e nos trâmites da Casa Legislativa, não desmerecendo a importância do legislador no processo de construção e edificação da comunidade e de seus membros. Festejamos porque a Sociedade Civil Organizada e os Movimentos Sociais há muito clamavam por escolher seus agraciados e tornarem o sonho do direito de escolha um pouco mais próximo de suas entidades. A escolha partindo dos Movimentos e militantes, representa imparcialidade e merecimento. Os divinopolitanos devem comemorar a Comenda da Consciência Negra como uma vitória significativa do direito de escolha e da emancipação do pensamento crítico." 

Uma honraria sem distinções

A Comenda Consciência Negra não prioriza a sua entrega apenas aos membros negros da comunidade divinopolitana. Ela prioriza antes, pessoas e instituições que ajudam ou ajudaram no fortalecimento, engrandecimento, defesa e valorização da comunidade negra divinopolitana. Diante dessa posição, ela quebra com as barreiras raciais tão veladas em nossa sociedade brasileira e abre um diálogo com a pluralidade de nossa comunidade. 

Divinópolis é uma parcela de Brasil que contém em seu seio, o mosaico cultural existente em todo território nacional. Seria uma contradição enorme, a valorização apenas dos entes negros da cidade. Negros, brancos, pardos e índios fazem a festa das cores de nossas relações e é por demais urgente a eliminação e quebra do muro de nossa ignorância sobre esse assunto.

Agraciados deste ano
  • Cristina do Divino Espírito Santo (Professora)
  • Cooperativa de Teatro
  • Revista Raça Brasil
  • Grupo de Capoeira Morro de Santana
  • Vicente Teixeira
  • Grupo Só H
  • Grupo Expressão Break
  • Sílvio França
  • Benedito Gonçalves
  • Maurício Mendes
  • Centro Socioeducativo
  • Sandra Helena Silva Oliveira
  • José Lopes Tiziu (in memorian)
Matéria: Redação do Blog

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Ministro Joaquim Barbosa. Por que o novo Presidente do Supremo Tribunal Federal é temido?

Joaquim Barbosa.Primeiro Negro a ser
Presidente do Supremo Tribunal Federal

Ao dizer que jamais tomará decisões: rocambolescas e chocantes para a coletividade” o Ministro Joaquim Barbosa contestou as críticas do também ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Marco Aurélio Mello que acusou Barbosa de destempero e pôs em dúvida seu desempenho como futuro presidente do STF. Barbosa ainda afirmou durante uma das sessões que o revisor Ricardo Lewandowski estava fazendo "vista grossa" a evidências do processo do mensalão.
Dono de um amplo currículo, o mineiro, Joaquim Benedito Barbosa Gomes nasceu em 07 de outubro de 1954 na cidade de Paracatu-MG, onde fez os estudos primários. Aos dezesseis anos foi morar sozinho em Brasília e lá deu continuidade aos estudos. Fez também estudos complementares de línguas estrangeiras no Brasil, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Áustria e na Alemanha.  Ele é Doutor e Mestre em Direito Público pela Universidade de Paris-II (Panthéon-Assas) e Professor licenciado da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Primeiro ministro negro do STF, desde abril de 2012, Joaquim Barbosa ocupa o cargo de vice-presidente. Tomou posse em junho de 2003, ano do primeiro mandado do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, que o nomeou. Relator e revisor de várias pautas do STF, constantemente Joaquim é matéria de jornais e revistas por sua postura ética e sincera.  Devido à complexidade e ao fato de que o caso envolve vários políticos do alto escalão, a relatoria da denúncia contra os quarenta acusados do mensalão lhe possibilita uma alta visibilidade em torno de sua atuação no STF.
Algumas pessoas consideram que ele é uma liderança “heróica” que conseguiu vencer as barreiras do racismo no país. Joaquim Barbosa é uma referencia na busca pela elevação da autoestima da população negra, sua trajetória de vida é um elemento motivador. Apesar do constante debate acerca da autoestima do negro/negra em um contexto histórico e contemporâneo marcado pela opressão e a exclusão racial, vale acrescentar uma definição sobre autoestima. De acordo com o site Relações Raciais na Escola, a mesma é definida como:
Sentimento e opinião que cada pessoa tem de si mesma. É na infância, no contato com o outro, que construímos ou não a nossa autoconfiança. (...) O processo psicológico é um dos aspectos mais importantes da autoestima, pois conduz as relações interpessoais. As formas como nos relacionamos como o outro em muitas situações geram falsos valores. Então o caminho para construção da autoestima está calcado em uma sociedade mais justa e igualitária, no reconhecimento e valores de cada indivíduo como um ser essencial.
A construção da autoestima da população negra brasileira é constantemente testada pelo mito da democracia racial. Além disso, as elites dominantes utilizam mecanismos que tentam manter a população negra numa “servidão mental perpétua”. Divulgam uma história que não está pautada nas histórias dos povos africanos e das diásporas negras. Faltam referenciais negros nos livros didáticos, a mídia submete um “quase lugar” ao povo negro e tenta impor um padrão de beleza homogêneo eurocêntrico, ignorando a diversidade racial que caracteriza o país. Somente a reconstrução de uma nova consciência será capaz de alterar o processo desumano de uma sociedade desigual que não os (as) estimula e nem respeita.
Joaquim Barbosa pode ser o relator da primeira oportunidade do STF, desde sua criação em 1824, a condenar um político no país. Por não tolerar a postura de alguns dos seus colegas, Barbosa envolve-se em debates tidos como pessoais e polêmicos. As opiniões divergentes são importantes na condução das decisões do STF. Em novembro de 2012 deve assumir a presidência do STF, com a aposentadoria do ministro Ayres Britto. Barbosa é o candidato natural a assumir o comando do Supremo, conforme tradição da sucessão entre os ministros.
Entretanto, a condução de Barbosa à presidência do STF está ameaçada, visto que a mesma precisa ser confirmada por votação entre os ministros da Corte.  Para a população negra brasileira, ter um “dos seus” pela primeira vez neste cargo será um importante marco para elevação da autoestima.  
As elites e parte da impressa temem o “Ministro Negão” e começam a investir em uma espécie de campanha de difamação, rotulando-o como um homem descontrolado e de temperamento explosivo. Bastante significativo é o fato de que tais rótulos vem sendo historicamente utilizados para desqualificar homens e mulheres negras, como sub-humanos incapazes de raciocinar de forma objetiva, serena e imparcial. O Ministro Joaquim, por outro lado, defende-se ao dizer que não tolera hipocrisia.
Seguimos atentos (as) na condução desse importante passo que está próximo de  tornar-se realidade. Existem outros “Joaquins” e “Joaquinas” que seguirão a trilha galgada pela luta do movimento negro, na busca da implementação de políticas de ações afirmativas. Assim como Barbosa, contrariem as estatísticas por um Brasil menos desigual racialmente.
Texto: George Oliveira - Blog Correio Nagô

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

COTAS SOCIAIS JÁ SÃO REALIDADE NO BRASIL



A presidenta Dilma Rousseff sancionou no último dia (29/08) a Lei de Cotas Sociais, que destina 50% das vagas em universidades federais para estudantes oriundos de escolas públicas. Ao sancionar a lei, a presidenta disse que o governo tem o desafio de democratizar a universidade e manter a qualidade do ensino.
“A importância desse projeto e o fato de nós sairmos da regra e fazermos uma sanção especial tem a ver com um duplo desafio. Primeiro é a democratização do acesso às universidades e, segundo, o desafio de fazer isso mantendo um alto nível de ensino e a meritocracia. O Brasil precisa de fazer face a esses dois desafios, não apenas a um. Nada adianta eu manter uma universidade fechada e manter a população afastada em nome da meritocracia. Também de nada adianta eu abrir universidade e não preservar a meritocracia”, afirmou.
Segundo o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, a Lei de Cotas Sociais vai ajudar os melhores alunos da rede pública a ingressar nas universidades federais. Ele afirmou que os dados da edição 2011 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) mostram que a média dos 150 mil melhores estudantes da rede pública foi superior à média dos estudantes do setor privado.
“Estamos abrindo uma oportunidade para que esses bons alunos, os melhores alunos da rede pública, tenham uma melhor oportunidade de acesso às universidades federais (…) Agora, não podemos deixar de reconhecer que é um desafio, que é melhorar cada vez mais o ensino público, especialmente o ensino médio, e essas cotas vão motivar os alunos a estudarem cada vez mais”, disse.
Fonte: http://blog.planalto.gov.br

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O que nos legou a inconstância


Repletos de uma arrogância pós-moderna, dos brados demagógicos como: - "Chega de corrupção; Viva a liberdade; Pelo direito disso e daquilo”, caminhamos. Nossa sociedade ainda não aprendeu a ser coerente, pelo menos quanto aos efeitos da teoria e da prática. Não temos norte, nem sequer construímos um. A verdade é que estamos brincando com a vida e dela fazendo pouco caso. Sem sintonia, seguimos.

Passou-se uma década do novo milênio e continuamos os mesmos. O que mudou em nós? Enquanto a força do tempo faz-se nítida em nossa frágil composição corpórea, não podemos dizer que, na mesma intensidade, nossas condutas tenham sofrido alterações. Vivemos uma crise ética; e não política como alardeiam os profetas deste novo tempo.

Somos homens e mulheres cansados, dispersos, infortunados e solitários em meio ao turbilhão de eventos que produzimos. Walter Benjamin, desanimado, certa vez expressou sobre a incapacidade de transformação da sociedade: "que as coisas continuem como antes, eis a catástrofe!". As permanências estão nos conduzindo a um doentio desequilíbrio moral, a um colapso societário que, certamente, as gerações futuras irão lamentar.

Nota-se, curiosamente, que as situações mais simples de serem vivenciadas estão cada vez mais raras. Vivemos a era dos megaeventos, das superproduções e da exaltação da futilidade. Não há espaço para os acenos cordiais, para as visitas familiares e nem mesmo para as conversas amigáveis, isso gasta tempo. “E tempo é caro.”

Somos factuais; seres presos aos imediatismos mercadológicos; amantes do amanhã remunerado e sempre esperado. Parece contraditório, mas é assim que gostamos. Não buscamos “estar convictos” de nada. Convicções são persuasivas e muitas vezes podem revelar-nos impossibilidades e por isso, viver o fato imediato e palpável impede-nos, momentaneamente, de sofrermos uma desilusão. Benjamim declara com hábil olhar essa realidade. Como filósofo, ao contemplar a sociedade em que está inserido ele expressa o fascínio que temos para com as realidades factuais.

Estamos sem nomes, sem amores, sem crenças; peregrinos em um mundo que não se prende a nós - há muito partiu! Perdemos a hora e nossa vida passou. Estamos com 33, 45, 60, 80 anos e vivemos nossas desventuras como antes, só que agora, entediados com nossa própria prepotência, escrevemos textos lamentando nossa falta de identidade. 

Texto: Alisson Ferreira

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Jovens negras têm menos acesso a escola e a trabalho, mostra relatório da OIT

19/07/2012 - 10h12
Carolina Sarres
Repórter da Agência Brasil
Brasília – Uma em cada quatro jovens negras brasileiras entre 15 e 24 anos não estuda ou não trabalha – o que corresponde a 25,3% dessa faixa da população. Os dados são da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgados hoje (19) no relatório Perfil do Trabalho Decente no Brasil: um Olhar sobre as Unidades da Federação. Entre a população jovem em geral, o percentual das pessoas que não trabalha ou não estuda chega a 18,4%, o que corresponde a 6,2 milhões de pessoas. Entre as mulheres jovens, a taxa é 23,1%. Esse fato é identificado com mais intensidade nas áreas urbanas, em que 19,7% dos jovens estão nessa situação, contra 7,9% nas áreas rurais.
“Quando a jovem diz que não trabalha, quer dizer que não trabalha remuneradamente. Ou ela é mãe e não tem apoio das redes de proteção social; ou concilia família e trabalho; ou cuida de irmãos melhores para a mãe trabalhar”, destacou o coordenador do estudo da OIT, José Ribeiro.
A taxa de mulheres negras negras que não trabalham ou não estudam é superior às das mulheres jovens em geral (23,1%), dos homens jovens (13,9%) e dos homens negros (18,8%).
“O afastamento das jovens da escola e do mercado de trabalho, em um percentual bastante superior ao dos homens, é fortemente condicionado pela magnitude da dedicação delas aos afazeres domésticos e às responsabilidades relacionadas à maternidade, sobretudo quando a gestação ocorre durante a adolescência”, ressalta o relatório.
Os estados em que há mais desemprego entre as jovens negras são Pernambuco (36,7%), o Rio Grande do Norte (36,0%), Alagoas (34,9%), o Pará (33,7%) e Roraima (33,2%).
“As cifras de redução da pobreza e de desigualdade no Brasil, nos últimos anos, são avanços importantes e internacionalmente reconhecidos pela OIT. A pobreza e a desigualdade continuaram diminuindo no Brasil apesar da crise. O Brasil nesse sentido se destaca no cenário internacional. [Mas] a questão do jovem é claramente um desafio”, disse a diretora da OIT no Brasil, Laís Abramo. 
Edição: Juliana Andrade
foto: agenciaatitude.wordpress.com

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Um mundo pós tudo


Vivemos em um mundo “passageiro”. Nele construímos caricaturas sociais descartáveis facilmente trocadas por outras. À medida que nossa sociedade se desenvolve, as ideologias, as crenças, as culturas e os conceitos são envolvidos em um ambiente que já se esgotou. Vivemos a exaustão de recursos diversos e a ideia de “aldeia global” agora esbarra no problema das superpopulações. Não há espaços abertos dentro do modelo de humanidade que criamos. Ela é fruto da falência dos nossos relacionamentos humanos, do que chamarei de pós-tudo.

O homem cria conceitos diversificados e rotula seus iguais. Neste sentido, somos classificados e colocados diante de construções ideológicas que servem a propósitos puramente mercadológicos e, o que era “sólido se desmancha no ar” [1].  Criamos um mundo “frio” onde tudo se encaixa na ideia da razão pragmática, aquela que só aparece nas conveniências e só se desenvolve dentro de relações de curto tempo.

A sociedade do pós-tudo entende o que é duradouro como um crime contra a liberdade, um assalto aos direitos individuais. Nela, os laços relacionais desmantelam-se e constituem-se num entrave à emancipação de ser. A solidez das instituições históricas é questionada; suas contribuições na formação da sociedade não preenchem mais as necessidades de um mundo ávido de teorias fluidas. Neste sentido, conceitos humanitários, como o de igualdade, em seus diversos campos quer jurídico ou social possuem interpretações individualizadas e relativas. Há um sistemático ritmo de inversão de valores. A sociedade dita moderna, porém, filha de um tradicional esteio sócio-religioso enfrenta um colapso de suas verdades. O que era socializado privatizou-se.

“Nossos laços não estão bem atados” [2], assim como nossas práticas não se prendem às teorias. O desencantamento com o “outro” promove uma crise ética e moral e nos leva ao que eu disse serem “os descartáveis”. Quando o “outro” e suas características socioculturais tornam-se inadequados, inaptos e descartáveis, o que chamamos de humanidade perde sentido e fecha a porta para a diversidade. Daí é criado um ambiente onde a ordem é “refugar” [3] “os impróprios” desocializados como resultado de um mundo pós-amor, pós-igualdade, pós-fraternidade; um mundo pós-tudo.

Texto: Alisson Ferreira

[1] Karl Marx - O Manifesto Comunista
[2] Zygmunt Bauman - Amor Líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos

[3] Zygmund Bauman - Vidas Desperdiçadas

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Edital reforça o combate à violência contra mulheres negras no Brasil

Divulgação
De acordo com o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui uma população de mais de 190 milhões de pessoas. Desse total, 97 milhões são mulheres e cerca de 49 milhões se declaram pretas ou pardas.
A cada dois minutos, pelo menos cinco dessas mulheres são espancadas diariamente em nosso país, segundo dados da pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizada pela Fundação Perseu Abramo, em parceria com o SESC.
Agora, o combate à violência contra as mulheres ganhou mais uma importante ação no cenário político e social brasileiro. A Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR) vai financiar projetos de enfrentamento à violência contra as mulheres em todo o Brasil.
O edital de chamada pública 01/2012, que priorizará mulheres negras e do campo, dentre elas as mulheres de comunidades quilombolas, oferece financiamento a propostas por meio de quatro ações: ampliação de consolidação da rede de serviços de atendimento às mulheres em situação de violência; apoio a iniciativas de prevenção à violência contra as mulheres; capacitação de profissionais para o enfrentamento à violência contra as mulheres em situação de violência; e apoio a iniciativas de fortalecimento dos direitos das mulheres em situação de prisão.
Os órgãos e instituições interessados em participar do edital, têm prazo até o dia 10 de maio para encaminhar projetos relacionados ao enfrentamento da violência contra as mulheres. Para apresentação dos trabalhos, é necessário que os proponentes sejam credenciados e devidamente cadastrados no Portal do Sistema de Gestão e Convênios e Contratos de Repasse (Siconv). Após o encerramento dos editais, os projetos serão analisados por uma comissão técnica, de acordo com a política traçada no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres e estabelecida no Plano Plurianual 2012/2015.
A violência em números – Pesquisas realizadas por institutos brasileiros indicam que, diariamente, uma média de 10 mulheres são assassinadas no Brasil. De acordo com o serviço Ligue 180, Central de Atendimento à Mulher da SPM/PR, foram registrados 734.416 atendimentos de janeiro a dezembro de 2010, um aumento de 82,8% em relação a 2009 (269.977).
Ainda segundo a Secretaria, 47% das usuárias dos serviços de atendimento às vítimas de violência – que em 2010 chegou a 5.302 – possuem nível fundamental de escolaridade. Dessas, 51,7% tem idade entre 20 e 35 anos; e 58,3% se declaram pardas ou pretas.

Por: Drielly Dias

DEM X negros: Vitória do Brasil no STF

Ao julgar e decidir de forma unânime a improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, movida pelo DEM contra o programa de cotas da Universidade de Brasília, o Supremo Tribunal Federal o fez de maneira exemplar, não deixando dúvidas sobre a constitucionalidade das cotas como ação afirmativa a serviço da materialização da igualdade formal, preconizada pela nossa Carta Magna.

Ao atirar na política de cotas o DEM acertou em si próprio. Representado pela advogada Roberta Kaufmann, esta se mostrou despreparada nos argumentos que usou na tentativa de deslegitimar e provar a ilegalidade do sistema. Insistiu na repetida tese de que o problema do negro é econômico, e não de discriminação racial. Uma falácia, já que a exploração de classe e o racismo, que recaem sobre o negro e os indígenas, se reforçam mas não se confundem, nem se anulam.
A advogada do DEM se apoiou na polêmica pesquisa de Danilo Pena para tentar provar que, se no terreno da genética todos somos semelhantes, não se pode definir quem é negro no Brasil, escorregando em outra falácia, omitir raça como construção social. Seguiu acusando os defensores das cotas de querer fazer do país uma nova Ruanda e a Seppir - Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, de ser o ministério do racismo institucional, ou seja, recorrendo a metáforas frágeis se não preconceituosas e pouco analíticas.
 
A tese da advogada foi facilmente desconstruída pela brilhante atuação da Doutora Indira Qaresma, advogada da UNB, dos amicus curiae, contrários a ADPF 186, e, principalmente, pelo denso e preciso voto do relator, o ministro Lewandowski.
Este sustentou-se mais demoradamente na Constituição Federal e nos tratados internacionais dos quais o país é signatário, a exemplo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial - CERD (1966), ratificada pelo Brasil em 1968 e da Declaração de Durban, aprovada em 2001 na III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância. Evidenciou-se que a exclusão econômica do negro tem forte componente de discriminação racial, que o racismo no Brasil não incide na origem das pessoas, mas sim na aparência delas; que os critérios utilizados pelas universidades para promover a política de cotas, longe de nos levar à condição de uma nova Ruanda, já está nestes mais de 10 anos produzindo uma nova realidade educacional para milhares de estudantes negros, índios e brancos pobres.
 
Não podemos esquecer que houve um holocausto negro nas Américas por mais de três séculos, tendo o Atlântico como testemunha ou como sepultura de milhares dos que sucumbiram ainda em pleno mar. O Brasil é irremediavelmente parte desta história e tem hoje a maior população de afrodescendentes do mundo.
 
O ministro Lewandowski foi muito feliz ao lembrar que as cotas e ações afirmativas não são uma mera importação americana. Tal sistema iniciou-se na Índia em 1935, com a edição do Government of India Act, promovido por lideranças como Mahatma Gandhi, para garantir a inclusão social dos Dalits e Adivasis. As ações afirmativas nos EUA foram impulsionadas pela memorável Marcha por Liberdade e Trabalho, que mobilizou 250 mil ativistas, liderada, entre outros, pelo sindicalista Philip Randolph e por Martin Luther King, exigindo direitos civis. No Brasil as cotas começaram com a Lei do Boi (LEI Nº 5.465/68), que assegurava 50% das vagas nos cursos de agronomia para os filhos de fazendeiros, aí sim um privilégio.
"A meritocracia sem igualdade de pontos de partida é apenas uma forma velada de aristocracia", disse o ministro Marco Aurélio de Mello aos que teimam em querer manter a universidade como uma ilha, incapaz de cumprir a sua função social de receber os diferentes filhos do povo.

É fato que as novas gerações não são responsáveis pelo nosso tenebroso passado, mas somos todos responsáveis por remover as barreiras do racismo, das desigualdades e democratizar profundamente a nação. Como bem disse Joaquim Barbosa, há um ciclo de acumulação de desvantagens que mantêm o negro nos extratos sociais mais baixos.

Portanto, o julgamento no STF teve a dimensão de decidir sobre o presente considerando o histórico que nos desiguala. Todo respeito a Corte, mas há que se observar que a própria composição dela, com apenas um negro em um universo de brancos, muitos de sobrenomes incomuns (Lewandowski, Peluso, Weber, Fux, Toffoli...), demonstra, por si só, que a igualdade entre negros e brancos no Brasil, não será alterada pela lei natural das coisas.
Quando nós do movimento negro brasileiro fomos a Durban, levamos na bagagem a estratégia de denunciar o racismo à moda brasileira e buscávamos a aprovação de políticas de Estado voltadas para a sua eliminação. Vemos hoje que o país tem avançado desde aquele momento e nenhuma guerra civil se instalou. Perderam o DEM e o já combalido senador Demóstenes Torres, que há um ano, naquele mesmo Tribunal, debochara das violências sexuais sofridas pelas mulheres negras, durante o escravismo. A vitória das cotas fortalece a cidadania dos jovens negros e nos desafia a lutar ainda mais por um sistema de ensino público qualificado e decente para todos os brasileiros e que os negros tenham oportunidades de participar do desenvolvimento, ocupando, finalmente, posições estratégicas no mundo acadêmico e em outros nichos de poder.
 
* Olívia Santana é vereadora do PCdoB em Salvador e Ouvidora-Geral da Câmara de Vereadores de Salvador

quinta-feira, 26 de abril de 2012

STF decide por unanimidade que sistema de cotas é constitucional


O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira por unanimidade que o sistema de cotas raciais em universidades é constitucional. O presidente do STF, Carlos Ayres Britto, iniciou seu voto --o último dos ministros-- por volta das 19h30, antecipando que acompanha o voto do relator Ricardo Lewandowski.

O julgamento, que terminou por volta das 20h, tratou de uma ação proposta pelo DEM contra o sistema de cotas da UnB (Universidade de Brasília), que reserva 20% das vagas para autodeclarados negros e pardos.

Ayres Britto disse durante o voto que os erros de uma geração podem ser revistos pela geração seguinte e é isto que está sendo feito.

Em um voto de quase duas horas, o ministro Ricardo Lewandowski afirmou ontem (25) que o sistema de cotas em universidades cria um tratamento desigual com o objetivo de promover, no futuro, a igualdade.

Para ele, a UnB cumpre os requisitos, pois definiu, em 2004, quando o sistema foi implantado, que ele seria revisto em dez anos. "A política de ação afirmativa deve durar o tempo necessário para corrigir as distorções."

Luiz Fux foi o segundo voto a favor das cotas raciais. Segundo Fux, não se trata de discriminação reservar algumas vagas para determinado grupo de pessoas. "É uma classificação racial benigna, que não se compara com a discriminação, pois visa fins sociais louváveis", disse.

A ministra Rosa Weber também seguiu o voto do relator. Para ela, o sistema de cotas visa dar aos negros o acesso à universidade brasileira e, assim, equilibrar as oportunidades sociais.

O quarto voto favorável foi da Ministra Cármen Lúcia, que citou duas histórias pessoais sobre marcas deixadas pela desigualdade na infância.

Em seu voto, o ministro Joaquim Barbosa citou julgamento da Suprema Corte americana que validou o sistema de cotas para negros nos Estados Unidos, ao dizer que o principal argumento que levou àquela decisão foi o seguinte: "Os EUA eram e continuam a ser um país líder no mundo livre, mas seria insustentável manter-se como livre, mantendo uma situação interna como aquela".

Peluso criticou argumentos de que a reserva de vagas fere o princípio da meritocracia. "O mérito é sim um critério justo, mas é justo apenas em relação aos candidatos que tiveram oportunidades idênticas ou pelos menos assemelhadas", disse. "O que as pessoas são e o que elas fazem dependem das oportunidades e das experiências que ela teve para se constituir como pessoa."

O ministro Gilmar Mendes também votou pela constitucionalidade das cotas em universidades, mas fez críticas ao modelo adotado pela UnB. Ele argumentou que tal sistema, que reserva 20% das vagas para autodeclarados negros e pardos, pode gerar "distorções e perversões".

Celso de Mello disse, durante seu voto, que ações afirmativas estão em conformidade com Constituição e com Declarações Internacionais subscritas pelo Brasil.

Marco Aurélio Mello também seguiu o relator e votou pela constitucionalidade do sistema de cotas. Dias Toffoli não participou do julgamento por ter dado um parecer no processo quando era da Advocacia-Geral da União.

Fonte: FOLHA.COM

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Quando a neutralidade é o problema

Imgem:www.abaixoracismo.blogspot.com
Vejo que a neutralidade científica já causou danos cruéis à historiografia brasileira; e quando escrevo sobre o tema “escravidão”, busco empreender, de todas as maneiras, o compromisso do historiador com a imparcialidade e cuido para não ser anacrônico nem descontextualizado. Quando a abordagem historiográfica se ampara perenemente no distanciamento do fato, corre-se o grave risco de tratarmos nossos objetos de estudo de forma fria. Em muitos casos, o historiador desconsidera a transcendência do tema e o trata de forma desvinculada, sem qualquer resquício ou aspecto que o ligue ao presente. Esse erro criou análises carregadas de um romantismo “novelesco” quando se refere à escravidão.
A escravidão, em todas as suas formas foi sempre cruel, nefasta e sem nenhum sentimento. Para compreendermos isso é preciso envolver-se com o estudo, viver o personagem histórico, ou seja, tornar-se primeiramente negro e consequentemente, escravo.
Volto meu olhar para a sociedade brasileira atual e fico a perguntar em como estamos mediando nossas relações sociais? Herdeiras do passado escravista, elas estão expressas nas distinções que promovemos e mergulhadas nas relações de poder criadas pelas elites hierárquicas que governaram e ainda governam certas regiões do Brasil.
As marcas da escravidão institucionalizada, exercida por séculos no Brasil, podem ser claramente percebidas quando nos deparamos com comparações extremamente segregadoras que classificam o tecido social brasileiro dentro de padrões de habilidades, onde os trabalhos manuais estão sempre ligados às classes mais baixas e de pela escura e os trabalhos intelectuais, que são em esmagadora maioria, realizados por uma classe social mais alta e de pele clara.
O problema do distanciamento das análises sociais, dentro da juvenil história republicana brasileira, quase sempre obedeceu a um direcionamento político e específico de criar uma história do “Brasil ideal”. Para esse fim, cada sujeito social deveria ocupar mais, ou menos espaço dentro dela.
Hoje, depois de tantos trabalhos voltados para contar e recontar a história de nossa nação, ainda há quem diga que “lugar de negro é na favela”, ou que serviço ruim é “coisa de preto”. Enquanto não sairmos de nossa neutralidade ao tema, estaremos impedindo que a memória exerça sua função nobre de “iluminar lembranças”; estaremos negando à mesma o dever de desvelar as “poeiras indesejáveis” escondidas dentro de “problemas” que a nossa historiografia tradicional sempre impediu que fossem evidenciados e consequentemente, não resolvidos.
A falta do entendimento de que ainda vivemos as máculas da escravidão faz a sociedade brasileira cometer um dos piores crimes contra a sua história: o esvaziamento da memória. Um povo que se distancia do seu passado promove, muito facilmente, a desqualificação do “outro”; a morte do semelhante e o empreendimento da supremacia de uma classe sobre a outra.

Texto: Alisson Ferreira

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Primeiro aluno de Medicina a entrar por cotas na Ufba recebe diploma

Em uma casa azul na Ladeira Manoel Faustino – mesmo nome de um dos líderes negros da Revolta dos Alfaiates, que em 2011 se tornou Herói da Pátria – Ícaro Luis Vidal, 24 anos, se apronta para o grande dia de sua vida. À noite, o primeiro estudante a ingressar pelo sistema de cotas no curso de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) se forma.

As trancinhas que a cabeleireira faz em seu black power têm dois motivos: um é poder vestir o capelo de formatura (chapéu usado na solenidade). O outro é a pressão de sua mãe, Raimunda Vidal dos Santos, 47, que acha que assim o filho fica mais bonito para a festa, realizada ontem à noite, no Centro de Convenções.

Ícaro começou o curso em 2005, quando a Ufba implantou o sistema de cotas. Hoje, a institui-ção reserva 2% das vagas para índio-descendentes e 43% para alunos que tenham todo o ensino médio em escolas públicas. Desses, 85% são para estudantes que se declararam pardos ou pretos.

Ao fim do 3º ano no Colégio da Polícia Militar, conciliado com o cursinho, Ícaro já tinha passa-do no meio do ano em Direito na Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). “Assim, eu fiz a prova mais tranquilo”. Amiga de infância, Inês Costal, 24, lembra dele como aluno aplicado. “Sempre foi brilhante, era o CDF”, relata.

Orgulho

Ícaro atribui o desempenho à sua criação. “Ele nunca me deu trabalho, mas sempre cobrei. A média do colégio era 8, mas eu exigia 9”, lembra a mãe. O rigor deu resultado. “Tenho orgulho dos meus filhos”, afirma ela, incluindo a filha Ísis Carine dos Santos, 25, que mês que vem se forma em Engenharia Química, também na Ufba. Ontem, na formatura, dona Raimunda via o sonho realizado e vibrava num longo rosa. “Dever cumprido. Agora vou cuidar de mim”, diz ela, que este ano vai tentar cursar Pedagogia. “Espero conseguir uma vaga pelo Enem”, torce. Ícaro divide com ela e com Ísis uma casa na Liberdade. O pai, que mora em Feira de Santana, também veio para a formatura. Uma outra irmã mora em Conceição de Feira.

Desafios

O sonho de Medicina surgiu cedo. Ao ver crescer a barriga de três tias que engravidaram na mesma época, a cabeça do menino de 6 anos se encheu de perguntas. “Queria saber como tinha entrado, como saía”, lembra. Com o tempo, esqueceu a obstetrícia: agora quer ser oncologista. “Conviver com esses pacientes, tão carentes de atenção, me despertou para a área. O câncer é uma doença que isola”, reflete.

Se os pacientes sofrem, Ícaro também passou perrengues. Nos dois primeiros anos, além de cursar a faculdade, trabalhava e fazia curso técnico em Química, no Instituto Federal da Bahia (Ifba, então Cefet), que lhe possibilitou ser perito técnico da Polícia Civil.

O rapaz só chegava em casa às 23h e ainda tinha que estudar até as 2h. Várias vezes acabou dormindo em cima dos livros. “Mas nunca repeti nenhuma matéria”, orgulha-se. O grande impacto na Ufba foi o grau de dificuldade. “A cota facilita a entrada, mas sair de-pende de você”, analisa.

Hoje, Dr. Ícaro está encaminhado: passou em um concurso para médico do Programa Saúde da Família (PSF). E quer mais. “Quando vi a equipe do (Hospital) Sírio-Libanês que cuidou de Lula falando com os repórteres, pensei: um dia eu é que vou estar aí”.

Projeto propõe cotas obrigatórias

Mesmo com tantas universidades no país adotando cotas, não há uma lei federal que determine regras ou obrigue as instituições a aderirem ao sistema. As universidades têm autonomia para decidir quantas vagas destinarão às cotas e se o critério será socioeconômico ou étnico. Um Projeto de Lei (71/99) sobre o tema já foi aprovado na Câmara e desde 2008 aguarda para ser votado no Senado. Segundo a proposta, apresentada em 1999 pela então deputada federal Nice Lobão (PFL-MA), as universidades públicas federais reservariam vagas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas, tenham renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo e sejam negros, pardos ou indígenas.

No Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Ricardo Lewandowski relata duas ações contra cotas para negros. A primeira foi ajuizada pelo DEM contra a Universidade Federal de Brasília (UnB), onde uma comissão decide por foto ou entrevista quem pode ser classificado como negro, pardo ou branco. A outra foi proposta em maio por um estudante que não foi aprovado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Há ainda no STF mais três ações sobre o sistema de cotas adotado pelo ProUni. Os processos estão na pauta de votação desse ano.

Fonte: revistaafricas.com.br