quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Os refugados do sistema e a globalização: Os desafios do educar no pós-modernidade

Vivemos, há décadas, o ideário do “Estado Mínimo”; que esfacela e reduz, cada vez mais, nossas relações duradouras. Neste “Estado”, pautado por privatizações e políticas que bebem na fonte do liberalismo moderno, não se minimiza apenas o patrimônio das nações - as relações humanas também são reduzidas a “negócios”.

Supostamente familiar, e com uma propaganda quase infalível de compartilhamento social, o mundo pós-moderno apresenta-se, na verdade, “frágil”, inseguro e carente de relações e vínculos concretos; frutos de uma cultura perversa cuja “marca do descarte” se faz iminente.

Estão, as democracias modernas e suas instituições governamentais, privatizando tanto seus patrimônios públicos, quanto os relacionamentos. Nelas, as instituições comunitárias estão se convertendo de forma acelerada em agrupamentos privados e seletivos. Isto aponta para uma latente inversão de valores: sai o social ou comunitário - que pressupõe a integração de todos, e entra o privado - pautado no lucro e em ações pragmáticas e segregadoras.

A crítica, direcionada a este modelo “mínimo”, é embasada na observância da diversidade social que se apresenta viva nas incontáveis misturas étnico-culturais e nas manifestações religiosas. A pós-modernidade precisa compreender a urgente necessidade da inclusão dos “marginalizados globalizados”; dos milhões de refugos e refugados pelos sistemas neo-liberais,  nos debates e ações políticas.

Na busca voraz pela redução acelerada dos Estados deterioram-se e corroem-se o caráter e as relações sociais. Em especial, o que assola negativamente a sociedade atual, nestes tempos de globalização, nasce de uma nociva cultura “líquida”; criada pela pós-modernidade. Nesta cultura os relacionamentos são frouxos, inadequados, inválidos e inviáveis.

Educar na “pós-modernidade líquida” [1] é um desafio. O professor (sujeito social e humano) deve compreender a riqueza que há na diversidade. Compreender que o tecido social encontrado em todas as nações do mundo é caracterizado por inúmeras contribuições que, ao longo dos processos históricos, foram posicionadas para a construção de um mosaico benéfico da humanidade.

Ao criticar a inversão de valores que os governantes impunham às relações sociais em sua época, Santo Agostinho dizia: “a vida vale mais que matéria”. Para Agostinho, uma sociedade viável seria pautada na valorização da vida (dom supremo) e não na opulência, na suntuosidade do poder e do lucro. A supervalorização dos bens materiais e a cultura do consumo (patrocinados pelo capitalismo selvagem) constroem na pós-modernidade, em níveis cada vez mais alarmantes, o individualismo e a discriminação social.

Ao esfacelar as relações comunitárias, os idealistas do mercado globalizado abrem as portas para o surgimento da cultura dos “aptos e dos inaptos”. Os aptos são os vencedores da sociedade competitiva e os que estão alinhados às exigências mercadológicas. Os inaptos são os descartes gerados por esta sociedade: os homens e as mulheres que não se enquadram na cartilha da globalização.

É assim que o professor, em sua sala de aula, caminha junto às dezenas de crianças, adolescentes, jovens e adultos; afetados por um sistema desagregador, corrupto e preconceituoso, que aniquila a estrutura familiar e as relações sociais em favor do lucro.

A nós professores, resta-nos empreender uma luta homérica a fim de que a educação não se torne mercadoria e seus receptores não sejam produtos rejeitados e sumariamente descartados como refugos da “pós-modernidade líquida”. 

Texto: Alisson Ferreira           


[1] Zigmund Balman: Mal-estar da Pós-modernidade.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"“A felicidade do negro é uma felicidade guerreira”

Há 315 anos, morria, em vinte de novembro, um “certo” Francisco. Este homem poderia ter sido apenas mais um dos muitos Franciscos de sua época. Não o foi por um detalhe: decidiu fazer a diferença. Saiu da imobilidade e da covardia lançando-se numa entrega total pela causa de seu povo - os negros e negras de um europeizado Brasil. Este Francisco, brasileiro, negro, filho de escravos; que transformou a luta contra a discriminação racial em missão; que doou sua própria vida por tão justa causa, é conhecido por Zumbi dos Palmares.

Por sua coragem, Zumbi tem hoje seu nome entre os grandes líderes de nossa história. No panteon dos heróis nacionais sua imagem leva o selo da resistência e da luta contra a escravidão; da luta pela liberdade de culto, religião e prática da cultura africana no Brasil Colonial.

Sob novas formas, porém com o mesmo enfoque, a luta de Zumbi continua até os dias atuais. Zumbi ecoa nos morros favelados e nos acampados sem-terra; na marcha dos famintos, dos sem teto e nas grandes filas de desempregados. Zumbi luta nos braços dos trabalhadores rurais desprezados pelo sistema; no caminhar desolado das mães que perderam seus filhos para o crime e para as drogas. Zumbi é a luta teimosa do dia-a-dia, o olhar firme de quem não se entrega à amargura e à insensibilidade dos tempos atuais.

Comemorar o dia da Consciência Negra é colocar-se pronto a assumir, todos os dias, a missão iniciada por Zumbi dos Palmares. É levantar a bandeira dos desprezados, dos discriminados, dos não inclusos sob as asas da lei e algo sobre os quais a história oficial fez questão de ignorar. É construir espaços democráticos, abrir caminhos para a participação popular, soltar o grito de “basta” e continuar firme na caminhada.

O “20 de novembro” deve ser vivido todos os dias de nossas vidas. Seu significado é mais que calendário, é receita concreta do que queremos e do que não queremos para nossas vidas. Não se pode contentar com um país desigual e discriminador; não se pode andar satisfeito por ruas onde reina a indiferença; e, joelhos não devem se dobrar para o chicote do racismo. O Brasil merece que sua história seja recontada. O povo brasileiro deseja conhecer os seus anônimos, seus esquecidos, os postos à margem, a gente simples; todo este grupo de pessoas que ajudaram a construir este país e foram transformados em poeiras no tempo, verdadeiros refugos de uma historiografia elitizada e parcial.

A luta de Zumbi está, como diria o cantor e compositor Renato Russo: “nos uniformes e cartazes, cinemas e nos lares, favelas, coberturas em todos os lugares”[1]. Esta luta é sinfonia urbana que muitos insistem em não querer ouvir ou fingem que ouvem. Zumbi é música urbana, é grafite nos muros, é a dança do jovem nas periferias, é o cantar das folias, são os reis e as rainhas congas em suas cortes de cidadãos brasileiros.

Fazer ressoar a cantiga da luta que não cessa é o nosso compromisso de cada dia. Pela lembrança dos imensuráveis construtores anônimos de nossa história é que devemos fazer do dia 20 de novembro um grito, um hino onde a letra não se furte da luta: “Em cada estalo, em todo estopim, no pó do motim. Em cada intervalo da guerra sem fim. Eu canto, eu canto, eu canto; eu canto assim: A felicidade do negro é uma felicidade guerreira! A felicidade do negro é uma felicidade guerreira!”...[2]

Texto: Alisson Ferreira


[1] Renato Russo, Música Urbana – CD Legião Urbana 2 - 1986
[2] Letra de Waly Salomão & música de Gilberto Gil (para o filme Quilombo),1983.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Estátua de ZUMBI DOS PALMARES amanhece pichada no Rio de Janeiro

A estátua de Zumbi dos Palmares que fica na Avenida Presidente Vargas, no Centro do Rio de Janeiro amanheceu pichada. A mesma havia sido recolocada no último dia 14 (domingo) depois de ter passado por restauração.
A polícia do Rio de Janeiro irá analisar imagens das Câmaras da região onde fica a estátua para tentar identificar os vândalos. Porém, a Prefeitura do Rio de Janeiro garante que a estátua estará novamente restaurada para as comemorações do "Dia da Consciência Negra", neste sábado (20/11).

Tinta Branca

Os vândalos utilizaram tinta "BRANCA" para picharem a estátua.

Histórico e Restauração

A estátua de Zumbi dos Palmares foi inaugurada em 1986 e faz parte do corpo de esculturas do Rio de Janeiro. A mesma foi retirada para restauração pela primeira vez este ano. Ela estava com rachaduras que comprometiam sua estrutura de mais de 800 kg. 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

I Seminário "EDUCAR NA DIVERSIDADE: pedagogia da inclusão."

MESAS DE INTERLOCUÇÃO - 29/11

PALESTRAS PALESTRANTE
Manhã 8h às 11h30 Os referentes culturais das concepções de gênero e de sexualidades a partir da perspectiva das ciências sociais. Alexandre Eustáquio
Teixeira
Inclusão: revisando conceitos e atitudes. Geralda Pinto Ferreira
Questões étnicorraciais: desafios e perspectivas Maria Cristina Santos
As ações afirmativas dos valores civilizatórios dos africanos no Brasil. Afrodescendência e musicalidade. Sidney Fagundes Vieira
Tarde 14h às 17h30 Educar para a diversidade: para que sejamos todos(as) mais humanos! José Heleno Ferreira
O gênero e a diversidade cultural – um olhar sobre as várias faces dessa temática Liliana Martinho Bertola
Questões étnicorraciais: desafios e perspectivas Maria Cristina Santos
As ações afirmativas dos valores civilizatórios dos africanos no Brasil. Afrodescendência e musicalidade. Sidney Fagundes Vieira
Noite 18h às 21h30 Os refugados do sistema e a globalização: os desafios de se educar na modernidade Alisson Ferreira
Relações Étnicorraciais e a sala de aula: compreen-dendo suas dimensões, possibilidades e desafios na perspectiva da inclusão Camila Carolina Flau-sino
Relações de gênero na escola: uma reflexão sobre currículo, práticas educativas, preconceito, discrimi-nação e bullyng. Flávia Patrícia Couto
O gênero e a diversidade cultural – um olhar sobre as várias faces dessa temática Liliana Martinho Bertola

OFICINAS DE PRÁTICAS INCLUSIVAS - 30/11

30/11 — Manhã 8h às 11h30 Local: Obras Sociais - R. Mato Grosso, 503
Of.01 Era digital: mídia, diversidade e inclusão? Anderson Ribeiro
Of.02 Educação: perspectivas para o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira na sala de aula. Camila Carolina Flausino

DIA 30/11 Manhã 8h às 11h30 Local: Semed — R. Minas Gerais 1474
Of.05 Gênero sexualidade e sexo: lidando com a diversida-de sócio/cultural no cotidiano escolar. Flávia Patrícia Couto
Of.06 O gênero e diversidade cultural - Um olhar sobre as várias faces dessa temática. Liliana Martino Bertola
Of.07 ?Diversidade sexual na escola? Luis Carlos Gonçalves
Of.08 As Ações afirmativas dos valores civilizatórios dos africanos no Brasil. Afrodescendência e musicalidade. Sidney Fagundes Vieira
Of.09 Afetividade e sexualidade: um desafio a ser discutido na escola Sirléia Moreira Tavares

30/11 - Tarde 14h às 17h30 Local: Obras Sociais - R. Mato Grosso, 503
Of.03 Educar e se educar na diversidade. Alisson Ferreira
Of.04 Cultura e diversidade - para onde iremos? Kátia Leite

DIA 30/11 Tarde 14h às 17h30 Local: Semed - R. Minas Gerais 1474
Of.10 Brasil e África: uma história a ser (re)construída. Érika do N. P. Mendes
Of.11 A diversidade em prosa e verso. José Heleno Ferreira
Sânia Mascarenhas Silva
Of.12 O gênero e diversidade cultural - Um olhar sobre as várias faces dessa temática. Liliana Martino Bertola
Of.13 Gênero e sexualidade na escola. Reconhecer diferen-ças e superar preconceitos. Maria Isabel Silva
Of.14 As Ações afirmativas dos valores civilizatórios dos africanos no Brasil. Afrodescendência e musicalida-de. Sidney Fagundes Vieira

DIA 30/11 Noite 18h às 21h30 Local: Semed - R. Minas Gerais 1474
Of.15 Educar e se educar na diversidade. Alisson Ferreira
Of.16 Era digital: mídia, diversidade e inclusão? Anderson Ribeiro
Of.17 Educação: perspectivas para o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira na sala de aula. Camila Carolina Flausino
Of.18 Gênero sexualidade e sexo: lidando com a diversida-de sócio/cultural no cotidiano escolar. Flávia Patrícia Couto
Of.19 A Escola que queremos: uma realidade em constru-ção. Geralda Pinto Ferreira
Of.20 Cultura afro-brasileira: implicações pedagógicas no currículo escolar. Juliana Vasconcelos.
INFORMAÇÕES - 37 3222 8130 ou 37 3222 3046
INSCRIÇÕES em 01 mesa e em 01 oficinapor ficha ou
até dia 19/11.

sábado, 13 de novembro de 2010

O 20 de novembro e o legado de Zumbi

A questão do negro no Brasil, por muito tempo, foi lembrada apenas na data 13 de maio, aniversário da assinatura da Lei Áurea, de 1888, que aboliu a escravatura. Comumente, viam-se, nesta data, principalmente nas escolas, crianças negras que protagononizavam o papel de escravos; enquanto a mocinha branca se vestia de “Princesa Isabel”. Na peça teatral, em que o destaque era dado para a ação da Princesa, nada se falava sobre a resistência e as lutas dos negros.

No final da década de 1970, o movimento negro conseguiu impor o “Dia Nacional da “Consciência Negra”, em homenagem a Zumbi dos Palmares, que foi assassinado nesta data, há 315 anos, 1695. A partir de então, lembrado não só por sua liderança frente a Palmares, mas também por ter dado a seus irmãos negros um motivo para lutar, para resistir à escravidão imposta que aniquilava suas vidas e os desqualificava como seres humanos.

O dia 20 de novembro nasceu da vontade de desfazer erros gritantes e históricos, da urgência de incluir na História do Brasil os negros e negras marginalizados, que ajudaram com seus braços e pernas, cores e cantos, lutas e rezas a construírem nossa nação. A historiografia oficial sempre dedicou capítulos e mais capítulos abordando trechos edificantes de seus mais ilustres personagens (brancos heróis nacionais). A cultura do colonizador sempre pautou as escritas que apontassem um Brasil europeizado e sem qualquer ligação com outra forma de cultura.

Esta data marca o auge da luta dos movimentos negros, dos homens e das mulheres que se empenharam para que o povo brasileiro tomasse conhecimento das lideranças negras e das muitas ações de resistências promovidas por eles através da História. Assim, a partir da década de 70 até os dias de hoje, Zumbi passou a ser valorizado no contexto de luta contra o mito da “Democracia Racial”, auxiliando na desmistificação que a história prega sobre o tipo de relações raciais desenvolvidas no Brasil: a de uma escravidão pouco violenta e de resistência sem tanta importância.

A visão da “Democracia Racial” ainda tenta apresentar para a sociedade a ideia de que os vários grupos étnico-raciais existentes no Brasil viveram e ainda vivem harmoniosamente, apagando, assim, quaisquer resquícios dos conflitos históricos entre brancos e negros. Daí a importância de Zumbi dos Palmares, de sua representação ativa e rebelde que se contrapõe a toda essa ideia instituída pela história oficial. A imagem de Zumbi não só representa a resistência negra, mas contribuí, também, para que negros e brancos se compreendam e convivam reconhecendo suas diversidades culturais.

O dia da “Consciência Negra” nos leva a refletir sobre a realidade do negro em todas as esferas da sociedade, mostra-nos que os mesmos ainda são subjugados aos piores postos de trabalho, aos menores índices de desenvolvimento educacional, aos menores salários e à marginalidade.

Reflitamos sobre a necessidade de buscarmos nas raízes de nossa História os verdadeiros líderes e construtores dela; a necessidade de evocarmos a memória de homens e mulheres que ajudaram a construir este pai, para assim, desconstruirmos as mazelas da História Tradicional que elimina o sujeito simples e edifica os figurões nacionais.

Viva Zumbi dos Palmares! Vivia todo e cada negro deste país! E viva todos os homens e mulheres de bem que não encontram barreiras para amarem seus semelhantes!

Texto: Alisson Ferreira

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Uma Igreja que cresce dentro de um desafio de amor

Dados do Vaticano atestam que a Igreja Católica, no continente africano, corresponde a 17% da população, cerca de 140 milhões de fieis. Este número não para de crescer e se apresenta, a cada dia, repleto de desafios.

A marginalização do povo africano; os problemas de corrupção política aliados a regimes ditatoriais; as lutas étnicas alimentadas pelo capitalismo tardio e as condições de extrema miséria que afetam a África, há anos, continuam a desafiar o espírito missionário da Igreja Católica.

A Igreja peregrina no mundo vive os dilemas e os sofrimentos que afligem os africanos; e vem denunciando as situações de morte no continente. Em sua visita à República dos Camarões, em março de 2009, Bento XVI expressou a posição da Igreja diante das desigualdades existentes na África: "diante da dor ou da violência, da pobreza ou da fome, da corrupção ou do abuso de poder, um cristão nunca pode ficar calado”.

A realidade opressora de muitos países africanos foi, e continua sendo, um grande desafio ao estabelecimento da “civilização do amor” (Paulo VI). Os modelos econômicos nocivos, aliados às políticas que não diminuem as disparidades sociais, só fazem aumentar os sentimentos de revolta e a construção de uma cultura de guerra. Em confronto a esta realidade, é que a Igreja apre-senta, de maneira eficaz, uma mensagem libertadora que objetiva dissipar antigas rivalidades étnicas e inter-religiosas; e apresenta a imagem do imenso coração de Deus para a acolhida de qualquer forma de pensamento que apre-sente a retidão de seu amor.

A Igreja Católica guarda um imenso respeito pelas tradições africanas. Os primeiros anúncios da boa nova, no continente africano, remontam dos tempos apostólicos, mais especificamente no trabalho do apóstolo Marcos, na região do Chifre da África. O Papa Paulo VI, em sua “Africae Terrarum” declara: “A Igreja considera com muito respeito os valores morais e religiosos da tradição Africana, não só pelo o seu significado, mas também porque vê neles a base sobre a qual de forma providencial pode transmitir a mensagem do Evangelho”.

A Igreja se compromete com o povo africano e está ao lado do mesmo, para construir juntos, um caminho reflexivo, conciliador; um caminho que leve ao Pai. A caminhada cristã na África possui diversas faces e personagens. Existe nesta caminhada um forte anseio de que “todos sejam um” (Jo, 17,21); uma vontade que impulsiona os mais diversos setores da fé católica ao encontro com o irmão que sofre, ao encontro com as comunidades e suas realidades complexas e com o ser humano em suas mais extremas fraquezas.

O fato do crescimento da Igreja Católica, nos últimos anos, ser mais acentuado no continente africano é conseqüência e fruto do trabalho de centenas de padres, missionários e missionárias, leigos ou consagrados; de pessoas que não se limitaram ao exercício da Palavra, mas - “avançaram para águas mais profundas” (Lc, 5,4) e se entregaram ao compromisso de batizados e batizadas revelando ao coração de milhões de africanos a imagem do Cristo ressuscitado.

A Igreja, na África, possuiu um olhar especial. Culturas e religiões genuinamente africanas são valorizadas e não se tornam obstáculos à evangelização. Este olhar hoje traça uma direção que perpassa as diferenças religiosas e deságua na essência de tudo que há de mais rico em cada manifestação cultural e religiosa de todo ser humano: o sopro Divino de Deus.

Enfim, sempre que a Igreja busca o diálogo e o respeito ao pensamento diferente ela reafirma o seu compromisso essencial de pregar o nome de Jesus a todos os povos. Agindo assim, ela tece no horizonte do novo milênio o que já pregava o Pontifício Conselho para o diálogo inter-religioso: “A Igreja respeita as religiões e a cultura dos povos, e deseja no seu contato com eles preservar tudo o que é nobre, bom e verdadeiro em sua religião e sua cultura”. (Cardeal Francis Arinze, 1988)


Texto: Alisson Ferreira

A Cor da pobreza e a reconstituição da dignidade

Não há como negar que, ainda hoje, a maioria dos pobres brasileiros é negra. A pobreza no Brasil tem forte acentuação racial; além de ser medida por sexo, ela também tem cor. O Ministério da Fazenda realizou um diagnóstico das desigualdades raciais no Brasil(1) e chegou à seguinte conclusão em relação à população negra: cerca de 50% encontra-se abaixo da linha da pobreza e 25% abaixo da linha de indigência. Comparados, em relação à população branca pobre, 25% da população negra esta abaixo da linha da pobreza e 10% na linha da indigência. O SENSO 2001/2002(2) diagnosticou que 65% da população brasileira pobre é negra e que, na categoria dos indigentes a percentagem de negros chega a 70%.

Os organismos que analisam a pobreza no mundo não colocam o Brasil en-tre as nações pobres, porém, se não somos um país pobre, certamente, somos um país extremamente injusto. A divisão de renda no Brasil é o fator determi-nante para a existência de tanta disparidade social. Estes números atuais pertencem a processos históricos desiguais que foram vivenciados dentro de 510 anos de história. Não precisamos ser ótimos estudantes de História ou mesmo Geografia para descobrir que o Brasil em seu desenvolvimento social privilegiou a cultura européia em detrimento da já existente aqui. Tudo que não refe-rendasse essa cultura se tornava empecilho à constituição de uma boa sociedade. Os negros nunca fizeram parte deste projeto de nação; eram estorvo e peso a serem descartados.

Relatos de historiadores da Colônia, do Império e da República atestam que, desde 1538, os negros produziam conhecimento, saberes e fazeres em terras brasileiras. Estes saberes e fazeres foram negligenciados e apagados pelas instituições governamentais e pelas academias. Somente nas últimas décadas, por força dos movimentos negros, é que pesquisas sobre a temática negra ganharam força. A exclusão do sujeito africano e posteriormente afro-brasileiro da história de nossa nação favoreceu a constituição de políticas racistas que afastaram os negros de direitos essenciais para a constituição de sua cidadania. O negro no início da República brasileira tornou-se, para as elites que comandavam o país, o opróbrio de um sonho almejado por eles.

É preciso que haja, por parte dos governantes da nação, mais que ações afirmativas para que os negros e negras deste país sejam restituídos do mas-sacre sócio-cultural a que foram expostos. Vejo que o reconhecimento material constitui apenas uma parte das reparações a serem feitas pelo Estado brasileiro. Há, inicialmente, que se recuperar a dignidade dos mesmos e reconhecer a sua importância como agentes históricos, construtores e fazedores de sua própria caminhada. Hoje, faz-se urgente edificá-los na íntegra, reconstituindo os laços existenciais que foram perdidos e que são a origem e essência de cada negro e negra deste país.

Pensar que a redução das desigualdades está apenas na aplicação de polí-ticas que evidenciam a redução da pobreza, não leva necessariamente à redução das desigualdades raciais. Isso somente acontecerá se formos além da matéria e constituirmos políticas e estratégias que unam a necessidade de reparação material com a reconstrução da dignidade humana desta parcela da sociedade brasileira.

Texto: Alisson Ferreira
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1 - Site do Ministério da Fazenda – Diagnóstico das desigualdades raciais no Brasil
2 - Os números podem ser encontrados no site do IBEGE

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A historiografia e o esvaziamento da memória

Eleger um tema e dele retirar todos os seus sulcos é um trabalho árduo e minucioso. Não raras vezes; quer por amor, antipatia, defesa de ideologias, ou mesmo pela vontade, quase perene, da desconstrução da proposta a ser apresentada, os historiadores se posicionam e revelam a sua quase sempre negada parcialidade. Para Lucien Febvre (1)  , o historiador deve procurar ser imparcial, mesmo que isto lhe pareça impossível.

A história da África até o século XIX foi escrita por historiadores ligados à historiografia européia, ou seja, uma historiografia de “vencedores”, de neo-colonizadores. A colonização foi o primeiro modelo histórico a incutir, na mentalidade ocidental, o conceito de “incapacidade histórica da África”.

Esta incapacidade estava no fato de que, para os europeus, a inexistência de uma estrutura europeizada de governo teria legado ao continente africano a falta de história. No mundo europeu, consumido pelo cientificismo e pelo racionalismo, somente as ações governamentais pautadas dentro de padrões jurídicos e filosóficos podiam legitimar a história. Estas construções historiográficas levaram ao total desconhecimento do tecido social africano, assim como de suas riquíssimas culturas e tradições.

Dentro desta visão, de uma “África sem história”, nasceram inúmeras justificativas para séculos de exploração e extermínio humano-cultural. O discurso construído dentro dela eliminou a possibilidade da existência de qualquer espécie de tentativa de igualdade entre “dominado” e “dominador”. Foi através da destruição da subjetividade e da humanidade do “outro” que se alicerçou o edifício neo-colonizador.

A anulação do africano enquanto sujeito social distanciou as gerações atuais de seu passado histórico. Quando os europeus começaram a “descolonizar” o continente, deixaram-no à própria sorte; desconfigurando-o territorialmente; aniquilando-o culturalmente e deixando-o extremamente dependente da estrutura e da logística européia. O termo “descolonizar”, muito utilizado pelos historiadores da historiografia tradicional, só fez construir uma caricatura de África incapaz, impotente e desprovida de qualquer referencial de luta e resistência; e ainda, uma imagem continental mística e nada politizada, que impossibilitou o discurso de independência de suas nações, decorrendo, sob este ponto de vista, uma emancipação nacional partida do colonizador e não dos africanos.

A saída dos europeus do continente africano também gerou outra grave mutilação nas raízes históricas do povo africano: o esvaziamento da memória. A nova geração de africanos cresceu; mas permanece sem conseguir chamar para si o passado de resistência de suas nações. A modernidade impede os mesmos de terem um contato substancial com seu passado histórico, com a memória de seus ancestrais. No conceito de “modernidade líquida”(2) afrouxaram-se todos os laços que os prendiam à sua ancestralidade.

Querer aprofundar-se nos estudos e nas problemáticas africanas é ter um contato intenso com as construções historiográficas pautadas na anulação do sujeito africano enquanto fazedor de história. Lucien Febvre disse, em uma de suas obras, que “compreender é complicar, é enriquecermo-nos em profundidade”. Hoje, mais que em outras épocas, somos convidados a mergulhar em estudos que procurem enriquecer as análises desta temática; somos instigados a contemplar a África entendendo que o legado de sua cultura é a própria memória de seus ancestrais.

Alberto da Costa e Silva, diplomata e historiador brasileiro, que trabalhou como embaixador nas repúblicas africanas da Nigéria e do Benim por muitos anos, em seu livro, “A enxada e a lança”, resume em uma só frase o que a desastrosa presença européia causou ao continente africano: “sem seus filhos o continente está nu”. Que nossos olhares sobre a África considerem a existência de seus povos, de suas histórias, de suas imemoriais tradições e principalmente, que vivamos o que diz o sábio provérbio nigeriano do povo Kanuri: “não há amor quando não se aceita os outros”.

Texto: Alisson Ferreira
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(1) Historiador Francês
(2) Conceito criado pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman

ONU denuncia aumento do racismo na França

O Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU colocou a França no banco dos réus, após um exame da sua política sobre as minorias, denunciando um aumento significativo do racismo.

Em Julho, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, ordenou a expulsão dos imigrantes ilegais ciganos e o desmantelamento dos seus acampamentos. Os 18 membros do comitê saudaram o anúncio inesperado feito por uma delegação francesa sobre a preparação de um plano nacional de luta contra o racismo, após a apresentação de um relatório de 90 páginas sobre as medidas tomadas pelas autoridades para combater as discriminações.

Contudo, os argumentos franceses estão longe de convencer os peritos do comitê. Para Ewomsan Kokou, membro togolês do comitê, a França, apesar de numerosos instrumentos legais, está confrontada com um "recrudescimento notável do racismo e da xenofobia". Para o relator norte-americano Pierre-Richard Prosper, a razão é só uma: falta de "verdadeira vontade política".

O Comitê das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação Racial criticou, esta quarta-feira, o tratamento que é dado aos ciganos, o debate sobre a identidade nacional, o não reconhecimento do direito das minorias na lei e o endurecimento do discurso político. Os peritos aguardam as respostas do governo francês antes de dirigirem as suas recomendações.

Entretanto, segundo adianta o jornal I, a polícia francesa levantou 40 acampamentos ciganos ilegais em duas semanas, anunciou o ministro do Interior de Lyon, Brice Hortefeux.

Está previsto o desmantelamento de 300 acampamentos ilegais em três meses, segundo o ministério, serão organizados vôos para repatriar 700 imigrantes sem documentos para a Romênia e Bulgária.

Em Julho, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, ordenou a expulsão dos imigrantes ilegais ciganos e o desmantelamento dos seus acampamentos. A França está, aliás, a pressionar a Romênia para integrar melhor os ciganos de modo a que estes não imigrem.

Sarkozy anunciou esta medida entre outras incluídas num pacote legislativo para combater a criminalidade, onde consta também uma proposta que prevê retirar a nacionalidade francesa aos estrangeiros que atentarem contra as autoridades públicas.

Para além do próprio pacote anti-imigração, que levou inúmeras organizações francesas e internacionais a condenar o seu conteúdo racista e xenófobo, o seu anúncio foi feito no mesmo dia em que a CNN divulgou um vídeo onde se vêem cerca de 60 imigrantes e seus bebês, a maioria procedente da Costa do Marfim, a serem arrastadas e agredidas violentamente pela polícia francesa num subúrbio de Paris.

Fonte: esquerda.net

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A superação do racismo

Apesar de ter conquistado espaço, a Pastoral Afro no Brasil enfrenta resistência mesmo naquelas questões que estão de acordo com os documentos e com o magistério da Igreja. Essa é a opinião de dom Gilio Felicio, o primeiro negro a chegar ao episcopado na arquidiocese de Salvador, na Bahia, em 1998, onde criou a Pastoral Afro.

Poucos meses depois foi transferido para a cidade de Cruz das Almas, a 160 quilômetros da capital baiana. Gaúcho de Lageado, diocese de Santa Cruz do Sul, dom Gilio, em 2002 passou a ser o bispo de Bagé, RS. Desde a década de 80 acompanha e participa do Movimento Negro Católico junto aos Agentes Pastorais Negros. Em 1989 começou a participar do Instituto MARIAMA, uma articulação nacional de padres, bispos e diáconos negros, do qual foi presidente por dois mandatos. Foi até 2007 o bispo coordenador da Pastoral Afro-Brasileira, na CNBB. Participando do XVI Congresso Eucarístico Nacional, realizado logo após o término da 48ª Asssembleia Geral da CNBB, em Brasília, dom Gilio falou à revista Missões.

Qual a sua avaliação sobre a última Assembleia Geral dos Bispos do Brasil?

Foi uma grande benção para nós, bispos, que pudemos nos encontrar e fazer um rica convivência em Brasília pensando as coisas que são realizadas neste coração do Brasil, que definem a vida e a missão do país para o dinamismo interno e as relações internacionais. Evidentemente, a Igreja tem uma mensagem muito rica a apresentar para que de fato o país consiga formar uma comunidade, uma pátria amada, humanamente equilibrada, espiritualmente forte, vocacionalmente fecunda e com um desenvolvimento integral para todos. Analisamos e procuramos apresentar nosso posicionamento diante desta proposta em relação à defesa dos direitos humanos, reafirmando a posição da Igreja. Ao mesmo tempo aprovamos encaminhamentos a respeito da consideração e atitude dos brasileiros diante do uso dos recursos que a natureza oferece. Lembramos a necessidade urgente da reforma agrária, da política agrícola. Encaminhamos propostas para que a CNBB tenha na sua literatura elementos que farão as comunidades refletirem, rezarem e ajudarem os governantes.

A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja e as CEBs também foram temas refletidos?

A escolha de um grande tema prioritário é para fazer com que as comunidades sejam conhecidas, estimadas e fortalecidas na missão importantíssima que têm, de ser centro de evangelização e ao mesmo tempo centros de fortalecimento da consciência cidadã e também uma fonte de garantia de uma construção a partir dessas pequenas células de uma sociedade viva, justa e fraterna. Estas são comunidades que têm também a vocação de favorecer a partir da meditação da Palavra de Deus a oração e o compromisso com os desafios, fortalecer a cultura vocacional. Isto é, na medida em que as dioceses forem favorecendo as pequenas comunidade, as CEBs e também as novas comunidades, nós teremos um serviço eficaz para o despertar das várias vocações que favoreçam uma Igreja Povo de Deus toda ministerial.

Dizem que no Brasil não há racismo. Por que então há tão poucos padres e bispos negros brasileiros?

Esta é uma questão que de certa forma foi abordada e a Assembleia aconteceu enquanto o Brasil, de certa forma comemorou, mas também procurou mostrar o significado do 13 de maio, que oficialmente é proclamado como o Dia da Abolição da Escravatura. A CNBB elaborou um documento lembrando que na memória de mais um aniversário da Abolição deve-se fazer uma reflexão muito grande. Em primeiro lugar, a Igreja precisa continuar essa caminhada bonita de libertação dos condicionamentos que foram criados no tempo da escravidão e, portanto, dos mecanismos de exclusão dos valores africanos e afro-descendentes. Ao mesmo tempo, a Igreja, a partir do Documento de Aparecida, deve lutar para conhecer, assumir, estimar e promover os valores afro-descendentes. E, claro, colocar a sua missão cristã a serviço dos negros e negras que estão necessitando de uma força, de auto-estima, do dom de Deus presente na negritude, necessitando de políticas afirmativas, enfim, de serem atendidos nas suas carências, em seus gritos por socorro, mas ao mesmo tempo, no sentido de poderem participar e oferecer, como dizia o papa João Paulo II, em Santo Domingo, os seus valores culturais para enriquecer a Igreja e a sociedade.

Como está organizada a Pastoral Afro no Brasil?

No Brasil nós temos um Secretariado de Pastoral Afro, que marca presença na sede da CNBB junto ao Conselho de Assessoria da Ação Evangelizadora da Igreja. Este Secretariado acompanha e assessora a Pastoral Afro que está presente em quase todas as dioceses do país. Evidentemente, essa Pastoral está ligada ao Secretariado Latino-Americano e Caribenho de Pastoral Afro – SEPAFRO, do qual sou o responsável. Esse Secretariado seria a Seção Afro-Americana e faz parte do Departamento de Educação e Cultura do Conselho Episcopal Latino-Americano – CELAM.

A Pastoral Afro encontra certa resistência em algumas dioceses. Quais seriam as maiores dificuldades?

Várias dioceses ainda não iniciaram essa pastoral exatamente em virtude desses condicionamentos da época da escravidão e da situação que pesa ainda na sociedade e na Igreja, do racismo, da discriminação racial e assim por diante. Percebemos na sociedade brasileira boa vontade com vários Centros e Entidades até em nível ministerial que estão trabalhando em favor da população negra. Mas há um longo caminho de superação desse condicionamento racista. Também, uma das dificuldades que encontramos na Igreja é a questão do diálogo ecumênico e inter-religioso. Nesse diálogo, nós não podemos fugir dos interlocutores que pertencem às religiões de matrizes africanas. Quando se estabelecem os encaminhamentos, quando esses diálogos começam, há uma resistência bastante grande. Um sonho que a Igreja tem é a inculturação da sua ação evangelizadora. Esse caminho também é bastante espinhoso, com muitas incompreensões. Evidentemente que a caminhada que se faz não é perfeita, mas há uma resistência mesmo naqueles passos que são dados e que estão absolutamente de acordo com os documentos e com o magistério da Igreja.

Se a Eucaristia é mistério tão poderoso, para suscitar a Missão, o que enfraquece o dinamismo missionário de tantos cristãos?

O pano de fundo é exatamente o que diz o Documento de Aparecida quando fala da profundidade e da verdade do Encontro com o mistério de Jesus Cristo. Na medida em que isso acontece verdadeiramente, a Ação Evangelizadora se torna eficaz. Vemos isso em outras confissões religiosas: mesmo não entendendo o mistério, as pessoas simples, entusiasmadas dão um recado que toca o coração da sociedade. Na medida em que os diversos ministérios dentro da Igreja se entusiasmarem e se deixarem dinamizar pela força do Espírito Santo na vivência da vontade de Deus, concretizando a Boa Nova de Jesus Cristo, tranquilamente acontece muita coisa bonita. Eu tenho várias experiências em periferias, nas quais muitas vezes o padre não vai, mas, alguma pessoa simples se entusiasma e vai deixando que esta luz toque o coração da vizinhança e de repente surge uma Comunidade de Base ou um movimento eclesial que passa a estabelecer uma novidade, às vezes transformando todo um edifício numa comunidade. Nem sempre o ministério ordenado dá conta da evangelização que deve acontecer. Os leigos têm um protagonismo que nós não podemos desprezar, embora, na nossa tradição católica é importantíssimo que tenhamos uma abundância do ministério ordenado.

Fonte: Site da Conferêncial Nacional dos Bispos do Brasil (Pastoral Afro) - CNBB

Romaria da Terra no Paraná refletiu a situação dos Quilombolas

No último dia 15, o município de Adrianópolis, pertencente à diocese de Paranaguá, acolheu a 25ª Romaria da Terra. No ano em que comemora o jubileu de romarias busca-se o aprofundamento da comunhão com os povos quilombolas.

O Município de Adrianópolis, está situado no Vale do Ribeira, divisa com o estado de São Paulo, pertence à Região Metropolitana de Curitiba, distante 130 Km da capital. Com uma população estimada em 6.856 habitantes, onde cerca de 75% se encontram na zona rural.

No município de Adrianópolis existem 13 comunidades quilombolas, sendo 8 reconhecidas e nenhuma ainda titulada. Neste ano a Romaria refletiu a realidade dos povos quilombolas do estado do Paraná inspirada pelo lema: “Quilombo: resistência de um povo território de vida”.

Segundo os últimos levantamentos, no Paraná existem cerca de 86 comunidades quilombolas, sendo 36 as certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP).

O encontro dos romeiros paranaenses e de outros estados foi um momento rico de oração e reflexão a partir da experiência dos povos quilombolas. Foi também a oportunidade da Igreja reafirmar o seu compromisso solidário com esta população que luta para ter os seus direitos reconhecidos.

Fonte: Site da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB

A África quer contar sua história

“Também o leão deverá ter quem conte a
sua história, não só o caçador”
(Chimua Achebe, escritor Nigeriano)

O continente africano é depositário de culturas e histórias que se perdem em tempos imemoriais. Com uma relevância ímpar,o mundo deve olhar para a África, pois nela está o palco das primeiras relações humanas, o berço de sociedades ainda não estudadas, enfim, a África é bem mais que suas costas oceânicas.

Para nós, brasileiros, a relação com o continente africano gera um conceito quase placentário. Uma ligação de aproximadamente cinco séculos gestou inúmeros valores simbólicos e materiais que não se desfizeram por uma aproximação que não encontra distâncias. O historiador brasileiro, Alberto da Costa e Silva romantizou as relações entre Brasil e África em seu livro “Um rio chamado Atlântico”, para ele, os mesmos estão ligados não por um oceano, mas sim, por um rio, pois o rio apresenta margens visíveis, o oceano não.

Neste sentido, apontando aspectos desconhecidos ou mesmo mal trabalhados pela historiografia tradicional, a história da África precisa ser contada de forma a edificar o que ela realmente é. Como sujeito, e não objeto de sua história, a África; não mais dobrada sobre si mesma, deve ser vista em sua totalidade, destacando seus povos, culturas e particularidades dentro dos fluxos e refluxos que se desenrolaram bem antes da chegada dos colonizadores.

Contar a história da África é reiniciar uma caminhada sobre os percursos tão macerados e naturalizados por historiadores e pela mídia; é apagar o grande número de designações errôneas, comuns em nossos livros e jornais, tais como: escravidão, tráfico e colonização. A África possui infinitas singularidades e particularidades dentro de seu imenso território, tem historicidade própria e não se enquadra, definitivamente, nos conceitos pejorativos ocidentalizados.

O Brasil tem avançado nos estudos da história da África. Hoje já se consegue desconstruir falsas análises acerca da relação entre o continente africano e o cotidiano brasileiro. Podemos, assim, elogiar o esforço de muitas pessoas que estão na luta pela disseminação dos estudos africanos em terras tupiniquins, abrindo portas para que a África não seja tão naturalizada e caricaturada por meio de análises pré-determinadas.

Hoje nas escolas crianças e jovens poderão conhecer que a África é mais que a propaganda negativa da mídia e é bem maior que os insultos, embargos econômicos, guerras étnicas, doenças, calamidades e que o negro não está no mundo na forma gasosa, o negro possui suas formas sólidas, evidentes e constituídas e as vem revelando em anos de luta.

A história africana é um pouco da história de cada um de nós, mesmos os não negros, ela não está em nenhuma origem nacional e nem nas análises biológicas, ela esta na origem, na gênese de nossa compreensão de mundo e povoa nossas cabeças e ecoa em nossas vozes como um poema: “E apesar de tudo, ainda sou a mesma! Livre e esguia, filha eterna de quanta rebeldia me sagrou. Mãe-África!” . (Benguela,1953: Poemas,1966)

Texto: Alisson Ferreira

segunda-feira, 26 de julho de 2010

PRESIDENTE LULA SANCIONOU O ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL

Este post é muito importante para todos os cidadãos negros brasileiros (de forma especial). Ele foi tirado do site do Presidente LULA " Café com o Presidente".

Leiam....




Apresentador: Olá, você, em todo o Brasil. Eu sou Luciano Seixas, e começa agora o Café com o Presidente, o programa de rádio do presidente Lula. Olá, presidente, como vai? Tudo bem?

Presidente: Tudo bem, Luciano.

Apresentador:
Presidente, o senhor sancionou a lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial, na terça-feira passada. Qual a importância dessa lei?

Presidente: Olha, Luciano, primeiro, a importância da lei é garantir que neste país, a partir de agora, não exista nenhuma diferença entre negros e brancos. Na verdade, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, transformado em lei, vem reforçar aquilo que a gente já tinha previsto na Constituição de 1988, fazer do Brasil uma República efetivamente democrática, em que todos, sem distinção, sejam tratados em igualdade de condições. O que é importante é que esse projeto levou mais de 10 anos para ser aprovado no Congresso Nacional. Foi um trabalho imenso. Eu lembro que na primeira Conferência da Igualdade Racial, eu chamava a atenção para todos os movimentos que representam a comunidade negra brasileira, de que era preciso que eles se unissem e que eles construíssem um único estatuto para que o Congresso pudesse aprovar. Porque enquanto tivesse vários pensamentos sobre estatuto no meio do movimento, ele se refletia no Congresso Nacional, e se refletindo divergências no Congresso Nacional seria muito difícil que fosse aprovado o Estatuto da Igualdade Racial. Então, a sabedoria do movimento e o aprendizado que nós tivemos nesses últimos anos, um trabalho muito forte do ministro Eloi (Elói Ferreira de Araújo – Ministro da Igualdade Racial) fez com que a gente construísse uma proposta única, sabe, que foi aprovada na Câmara e que foi aprovada no Senado. E isso então pôde ser aprovado, transformado em lei, sabe? Não é tudo que a gente quer, ainda faltam coisas pra gente fazer, mas é importante que a gente tenha a clareza que hoje nós temos o Estatuto da Igualdade Racial, nós temos uma lei que dá mais direitos, que recupera a cidadania do povo negro brasileiro. É importante a gente nunca esquecer que nós ficamos 380 anos, sabe, praticando escravidão neste país. O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão. Acho que nós temos uma dívida enorme com o Continente Africano, com o povo africano, é uma dívida que a gente nunca vai poder pagar em dinheiro, a gente vai poder pagar, sabe, em solidariedade, em ajuda humanitária, em ajuda ao desenvolvimento, em ajuda no conhecimento científico e tecnológico que o Brasil tem que ajudar o povo da África. E, assim como o Brasil, todos aqueles, sabe, que conseguiram crescer colocando em prática a política, eu diria, intolerável da escravidão, sabe? E, ao mesmo tempo, nós temos que agradecer sempre, ou seja, a miscigenação, a alegria, a bondade, o jeito da gente ser, o gostar do carnaval, o gostar de dançar, o gostar de futebol, sabe, o sorriso, o tratamento que a gente tem com todo mundo que frequenta o Brasil. É tão extraordinário que eu acho que tudo isso nós devemos, essa mistura fantástica entre negros, índios e europeus.

Apresentador: Você está ouvindo o Café com o Presidente, o programa de rádio do presidente Lula. Presidente, na mesma ocasião o senhor sancionou a lei que cria a Universidade Luso Afro Brasileira. Como ela vai funcionar?

Presidente: Olha, eu penso que, nós já tínhamos criado a Universidade da América Latina, uma universidade que vai atender estudantes latino-americanos, com currículo latino-americano, com professores latino-americanos, pra contar a história da América Latina. Ou seja, no fundo, no fundo, é a maior contribuição que a gente pode dar à integração da América Latina. Eu fico sempre me perguntando, como é que Cuba, um país pobre, de apenas 11 milhões de habitantes, consegue ter universidades, sabe, que atende gente do mundo inteiro, e um país do tamanho do Brasil não pode ter? Nós vamos construir uma Universidade Luso Afro Brasileira na cidade de Redenção, no estado do Ceará, cidade esta que foi a primeira onde houve o movimento pela libertação da escravidão no Brasil. É uma universidade que nós pretendemos que ela tenha por volta de 10 mil alunos, 5 mil alunos africanos, e 5 mil alunos brasileiros. No início, a lei está aprovada para atender alunos dos países africanos de língua portuguesa. Eu acho que nós temos que ampliar para todo o Continente Africano, ou seja, para que a gente possa atender um pouco de aluno de cada país africano, para gente formar a capacidade intelectual, ajudar a formar engenheiros, médicos, enfermeiras. E essa universidade é pra isso, é pra gente formar profissionais, é pra gente fazer uma espécie de pagamento de tributos que nós temos com o Continente Africano, e ajudar o Continente Africano. Ou seja, é o Brasil assumindo a sua grandeza, é o Brasil assumindo, ou seja, a condição de um país que a vida inteira foi receptor e, agora, é um país doador. Ou seja, nós queremos ajudar os outros a desenvolverem. Por isso, eu fiquei extremamente feliz quando o Senado aprovou a criação da Unilab.

Apresentador: Muito obrigado, presidente Lula, e até a próxima semana.

Presidente: Obrigado a você, Luciano, e até a próxima semana se Deus quiser.

Você pode acessar este programa em www.cafe.ebc.com.br.

sábado, 24 de julho de 2010

Ali Kamel e a farsa de seu livro: “Não somos racistas”

Coloco este post de um texto muito bem elaborado por Mara Onijá. Ela analisa mais uma tentativa de descaracterizar o RACISMO dentro da sociedade brasileira... novas caras e os mesmos argumentos. É D + para todos nós.

Leiam....

Nesse artigo, tratamos de debater com algumas das principais idéias do livro “Não somos racistas – Uma reação aos que querem nos transformar em uma nação bicolor”, de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo, publicado em 2006. A idéia principal de Ali Kamel é de que o racismo não é um aspecto estrutural da sociedade brasileira. Para ele, o racismo existe aqui, mas porque “onde há homens reunidos há também todos os sentimentos, os piores inclusive”. Assim, ele resume o racismo daqui como um sentimento, uma questão moral, definição que está a serviço de esconder o racismo institucional e o papel que cumpriu e cumpre o Estado para sua manutenção.

“Aqui, após a Abolição, nunca houve barreiras institucionais a negros ou a qualquer outra etnia”

Para afirmar isso, ele tem que omitir como se deu o processo pós-Abolição. O projeto que o Estado brasileiro implementou esteve de acordo com seu objetivo de embranquecimento do país, colocando os negros como “incapazes” de compor a classe operária que então foi formando-se. A imigração européia foi promovida a passos largos: de 1890 a 1900, 1,4 milhão de imigrantes chegaram ao Brasil. Para os negros, que compuseram a força de trabalho escravo durante mais de 300 anos, a introdução do “trabalho livre” significou transformar-se em exército de reserva, sob as piores condições de vida. Ao contrário da definição de Ali Kamel, o racismo não se apresentou como mero “sentimento”, mas como política de Estado, planejada e implementada. Se isso não se caracteriza como barreira institucional, o que mais poderia assim se caracterizar?

Mas além de impedir os negros de ocupar os postos de trabalho que iam se gerando, o Estado tratou ainda de garantir a repressão e punição judicial aos negros com a Lei de Vadiagem, dois anos depois de abolida a escravidão. Negros que não comprovassem trabalhar, assim como a capoeiragem e os terreiros de candomblé, eram perseguidos violentamente. A lei considerava vadiagem: “Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meio de subsistência e domicílio certo em que habite; prover a sua subsistência por meio de ocupação ofensiva da moral e dos bons costumes” [1]. Por um lado, milhões de negros que introduziram aqui técnicas desenvolvidas na África [2] e suportaram as condições de trabalho mais desumanas da escravidão não serviam mais para o trabalho [3]. Por outro lado, todos aqueles que não exerciam profissão eram considerados “vadios”. Depois de cumprir pena, que podia chegar a três anos em caso de reincidência, tinham ainda que assinar um termo comprometendo-se a “tomar ocupação dentro de quinze dias”. Ao mesmo tempo que te impedem de trabalhar, te obrigam a ter trabalho: assim poderíamos resumir esse mecanismo. Estavam na mira do desemprego e da repressão policial os negros recém “libertos”. Mas para Ali Kamel, nunca houve barreiras institucionais aos negros depois da abolição…

O racismo a serviço do capitalismo

Poderiam ser escritas muitas páginas sobre as “barreiras institucionais” que garantiram a manutenção do racismo ao longo desses 122 anos, após a Lei Áurea. As medidas de opressão ao povo negro não foram meros detalhes, mas parte essencial do projeto de formação do Brasil. Se hoje, os salários e direitos trabalhistas dos negros e negras são tão inferiores e ainda compomos em grande medida os índices de desemprego, tudo isso serve aos capitalistas para rebaixar a média salarial do conjunto da classe trabalhadora e aumentar seus lucros. A idéia de que negro é incapaz ou não se enquadra nos padrões de boa aparência se mantém muito a serviço desse interesse.

Como afirmou Malcolm X, “não existe capitalismo sem racismo”. E isso diz respeito não somente aos dias atuais, mas ao processo histórico em que se desenvolveu o capitalismo. O trabalho escravo do africano e do afro-descendente no continente americano – marcando-nos como “seres inferiores”, não-humanos - gerou riquezas exorbitantes às metrópoles. E mais ainda com o tráfico de africanos seqüestrados foram gerados lucros ainda maiores, dos quais se beneficiou principalmente a Inglaterra, justamente o país que a seguir esteve à frente no desenvolvimento da indústria capitalista – e que então empreendeu uma luta violenta contra o tráfico de africanos, pela expansão do trabalho livre [4].

Uma vez mais, a idéia de um Brasil mestiço para maquiar o racismo

Depois de tantas críticas a Gilberto Freyre e sua concepção de um Brasil mestiço e harmônico - feitas não somente pelo movimento negro, mas também por intelectuais brancos comprometidos em alguma medida com a luta pela igualdade racial -, Ali Kamel traz de volta as idéias de Freyre. Espertamente, apresenta-o como quem mais se destacou em se contrapor ao pensamento racista que predominava nas ciências sociais no início do século passado. É verdade quando Kamel caracteriza esse pensamento como “abjeto”. Mas há um problema: o pensamento racista de fins do século XIX e início do XX, que partia de caracterizar os negros como biologicamente inferiores para defender sua progressiva diminuição no contingente populacional, não foi eliminado nos dias atuais – apenas ganhou novas roupagens. De tempos em tempos, mesmo depois de todas as comprovações científicas sobre o quanto infundadas são essas teorias, aparecem cientistas reafirmando a existência de inferioridades biológicas. Pelo raciocínio de Ali Kamel, deveria se concluir que tudo isso não passa de exceção à regra.

Para Ali Kamel, é um absurdo que aqueles que se autodenominam “pardos” sejam considerados “negros”. Segundo ele, um “pardo” tem descendência de negros e também de brancos – o que é verdade. Mas é a descendência negra à mostra que predomina nas entrevistas de trabalho ou nas batidas policiais [5]: nessas horas, ninguém tem dúvida sobre quem é branco e quem é negro, o racismo mostra a sua cara sem máscaras e a “nação bicolor” se revela uma vez mais.

Mas Ali Kamel está preocupado em encontrar o “cafuzo, mulato, mameluco, caboclo, escurinho, moreno, marrom-bombom”. Ele se assusta com o que para ele só pode ser uma idéia – equivocada – e não uma realidade: “uma nação de brancos e negros onde os brancos oprimem os negros”. E continua: “Outro susto: aquele não era o meu país”.

Seu país é bem diferente dos Estados Unidos, pois aqui “quase todos, mesmo os racistas, encantam-se com o que se considera ter vindo da África”. Ora, os negros viemos da África e encantamento por nosso povo é o que não conhecemos desde os tempos da escravidão. Ah, mas ele está falando da cultura negra, podem dizer. E o que muda? A burguesia branca pode mesmo se encantar com o carnaval do Rio de Janeiro ou da Bahia [6]. Mas, além de isso ter como pano de fundo o turismo sexual, em que as mulheres negras seguem como “mulatas” de consumo, essa aparente “confraternização” não muda em nada as relações sociais que marcam o racismo estrutural.

Mas Ali Kamel é um “freyreano” convicto. Chega ao ponto de dizer que Gilberto Freyre deu ao negro a “sua real dimensão”, e exalta a “mistura” insistentemente. Ele acusa os críticos de terem lido apressadamente ou não terem lido a obra de Gilberto Freyre. Faz isso para não ter que explicar a contradição entre a caracterização de “congraçamento” – ou seja, amizade, fraternidade – e os estupros, olhos furados, peitos dilacerados relatados pelo próprio Freyre.

A solução de Ali Kamel só pode ser uma farsa

Ali Kamel não ignora os números das pesquisas que revelam as desigualdades raciais: ele as manipula tentando provar por um lado que a “pobreza é parda” – e não negra – e que os negros – nesse caso, “pardos” e “pretos” - aparecem relacionados aos níveis mais baixos de condições de vida, pelo mero fato de ser grande parte da população pobre. Logo, para ele, as políticas específicas para os negros são infundadas.

É aí que entra no que diz ser “a face mais feia da sociedade brasileira”: “o preconceito contra os pobres”, que ele espera diminuir com a diminuição da pobreza! E então, vem a “única solução”: a educação. A “fórmula mágica” é investir na educação e assim o país se desenvolverá e ajudará os pobres a deixar de ser pobres (ou tão pobres). Esse é o mundo de Kamel: o racismo não é estrutural no Brasil e pobreza não tem nada a ver com exploração capitalista! Na sociedade que ele desenha, não existem capitalistas mantendo seus lucros exorbitantes sob o sangue e o suor dos trabalhadores e nem a manutenção de um exército de reserva que vive na miséria. O problema é uma tal concentração de renda abstrata, que não se explica como se desenvolve – só o que ele pode dizer é que investir na educação será a solução. Não é à toa que Yvonne Maggie [7] afirma que o que está em pauta é o “nosso futuro”. Está em pauta o futuro deles e o nosso, que não pode ser o mesmo, porque a “nação” que apresentam, não garante direitos iguais: na verdade, garante muitos lucros a quem possui a propriedade privada, ao mesmo tempo em que garante exploração e repressão aos que nada têm, a não ser a sua força de trabalho. E o problema da “nação bicolor” não está colocado somente para que se contraponham às políticas de cotas raciais. Também nesse caso, está em pauta o futuro: se os negros desse país tomam em suas mãos a luta contra a opressão histórica a que estamos submetidos isso significará colocar em risco as bases da dominação dessa burguesia branca. É por isso que lutamos. É contra isso que se coloca Ali Kamel.
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[1] Artigo 399 do Código Penal de 1890.
[2] Ao contrário das idéias que se propagam até hoje, muitos grupos africanos desenvolveram antes da chegada do homem europeu técnicas de agricultura, mineração e metalurgia, sistemas matemáticos, conhecimentos de astronomia e medicina, etc.
[3] Celso Furtado, em Formação Econômica do Brasil, livro escrito em 1959, afirma que “Sendo o trabalho para o escravo uma maldição e o ócio o bem inalcançável, a elevação do seu salário acima de suas necessidades – que estão definidas pelo nível de subsistência de um escravo – determina de imediato uma forte preferência pelo ócio”.
[4] É importante ressaltar que não havia nenhum interesse humanitário combinado a esse interesse econômico. O combate ao tráfico de africanos, desde meados do século XIX implementado pela Inglaterra como uma forma de acabar gradualmente com o trabalho escravo no continente americano, significava perseguir, bombardear e naufragar navios cheios de africanos.
[5] Aquele considerado “mestiço” ou “pardo” pode até conseguir uma vaga de emprego se estiver concorrendo com alguém considerado “preto”, mas se tiver um branco à disposição, vão embora o “mestiço” e o “preto”, sentindo na pele o que é ser negro nessa sociedade, ainda que varie a melanina.
[6] O que não quer dizer que a História da África e todo conhecimento produzido nesse continente sejam valorizados: persiste a idéia de uma África de safáris, fome, Aids e nada mais.
[7] Professora de Antropologia da UFRJ, uma das organizadoras da carta pública contra as cotas, intitulada “Todos têm direitos iguais na República Democrática”.