segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Uma Igreja que cresce dentro de um desafio de amor

Dados do Vaticano atestam que a Igreja Católica, no continente africano, corresponde a 17% da população, cerca de 140 milhões de fieis. Este número não para de crescer e se apresenta, a cada dia, repleto de desafios.

A marginalização do povo africano; os problemas de corrupção política aliados a regimes ditatoriais; as lutas étnicas alimentadas pelo capitalismo tardio e as condições de extrema miséria que afetam a África, há anos, continuam a desafiar o espírito missionário da Igreja Católica.

A Igreja peregrina no mundo vive os dilemas e os sofrimentos que afligem os africanos; e vem denunciando as situações de morte no continente. Em sua visita à República dos Camarões, em março de 2009, Bento XVI expressou a posição da Igreja diante das desigualdades existentes na África: "diante da dor ou da violência, da pobreza ou da fome, da corrupção ou do abuso de poder, um cristão nunca pode ficar calado”.

A realidade opressora de muitos países africanos foi, e continua sendo, um grande desafio ao estabelecimento da “civilização do amor” (Paulo VI). Os modelos econômicos nocivos, aliados às políticas que não diminuem as disparidades sociais, só fazem aumentar os sentimentos de revolta e a construção de uma cultura de guerra. Em confronto a esta realidade, é que a Igreja apre-senta, de maneira eficaz, uma mensagem libertadora que objetiva dissipar antigas rivalidades étnicas e inter-religiosas; e apresenta a imagem do imenso coração de Deus para a acolhida de qualquer forma de pensamento que apre-sente a retidão de seu amor.

A Igreja Católica guarda um imenso respeito pelas tradições africanas. Os primeiros anúncios da boa nova, no continente africano, remontam dos tempos apostólicos, mais especificamente no trabalho do apóstolo Marcos, na região do Chifre da África. O Papa Paulo VI, em sua “Africae Terrarum” declara: “A Igreja considera com muito respeito os valores morais e religiosos da tradição Africana, não só pelo o seu significado, mas também porque vê neles a base sobre a qual de forma providencial pode transmitir a mensagem do Evangelho”.

A Igreja se compromete com o povo africano e está ao lado do mesmo, para construir juntos, um caminho reflexivo, conciliador; um caminho que leve ao Pai. A caminhada cristã na África possui diversas faces e personagens. Existe nesta caminhada um forte anseio de que “todos sejam um” (Jo, 17,21); uma vontade que impulsiona os mais diversos setores da fé católica ao encontro com o irmão que sofre, ao encontro com as comunidades e suas realidades complexas e com o ser humano em suas mais extremas fraquezas.

O fato do crescimento da Igreja Católica, nos últimos anos, ser mais acentuado no continente africano é conseqüência e fruto do trabalho de centenas de padres, missionários e missionárias, leigos ou consagrados; de pessoas que não se limitaram ao exercício da Palavra, mas - “avançaram para águas mais profundas” (Lc, 5,4) e se entregaram ao compromisso de batizados e batizadas revelando ao coração de milhões de africanos a imagem do Cristo ressuscitado.

A Igreja, na África, possuiu um olhar especial. Culturas e religiões genuinamente africanas são valorizadas e não se tornam obstáculos à evangelização. Este olhar hoje traça uma direção que perpassa as diferenças religiosas e deságua na essência de tudo que há de mais rico em cada manifestação cultural e religiosa de todo ser humano: o sopro Divino de Deus.

Enfim, sempre que a Igreja busca o diálogo e o respeito ao pensamento diferente ela reafirma o seu compromisso essencial de pregar o nome de Jesus a todos os povos. Agindo assim, ela tece no horizonte do novo milênio o que já pregava o Pontifício Conselho para o diálogo inter-religioso: “A Igreja respeita as religiões e a cultura dos povos, e deseja no seu contato com eles preservar tudo o que é nobre, bom e verdadeiro em sua religião e sua cultura”. (Cardeal Francis Arinze, 1988)


Texto: Alisson Ferreira

A Cor da pobreza e a reconstituição da dignidade

Não há como negar que, ainda hoje, a maioria dos pobres brasileiros é negra. A pobreza no Brasil tem forte acentuação racial; além de ser medida por sexo, ela também tem cor. O Ministério da Fazenda realizou um diagnóstico das desigualdades raciais no Brasil(1) e chegou à seguinte conclusão em relação à população negra: cerca de 50% encontra-se abaixo da linha da pobreza e 25% abaixo da linha de indigência. Comparados, em relação à população branca pobre, 25% da população negra esta abaixo da linha da pobreza e 10% na linha da indigência. O SENSO 2001/2002(2) diagnosticou que 65% da população brasileira pobre é negra e que, na categoria dos indigentes a percentagem de negros chega a 70%.

Os organismos que analisam a pobreza no mundo não colocam o Brasil en-tre as nações pobres, porém, se não somos um país pobre, certamente, somos um país extremamente injusto. A divisão de renda no Brasil é o fator determi-nante para a existência de tanta disparidade social. Estes números atuais pertencem a processos históricos desiguais que foram vivenciados dentro de 510 anos de história. Não precisamos ser ótimos estudantes de História ou mesmo Geografia para descobrir que o Brasil em seu desenvolvimento social privilegiou a cultura européia em detrimento da já existente aqui. Tudo que não refe-rendasse essa cultura se tornava empecilho à constituição de uma boa sociedade. Os negros nunca fizeram parte deste projeto de nação; eram estorvo e peso a serem descartados.

Relatos de historiadores da Colônia, do Império e da República atestam que, desde 1538, os negros produziam conhecimento, saberes e fazeres em terras brasileiras. Estes saberes e fazeres foram negligenciados e apagados pelas instituições governamentais e pelas academias. Somente nas últimas décadas, por força dos movimentos negros, é que pesquisas sobre a temática negra ganharam força. A exclusão do sujeito africano e posteriormente afro-brasileiro da história de nossa nação favoreceu a constituição de políticas racistas que afastaram os negros de direitos essenciais para a constituição de sua cidadania. O negro no início da República brasileira tornou-se, para as elites que comandavam o país, o opróbrio de um sonho almejado por eles.

É preciso que haja, por parte dos governantes da nação, mais que ações afirmativas para que os negros e negras deste país sejam restituídos do mas-sacre sócio-cultural a que foram expostos. Vejo que o reconhecimento material constitui apenas uma parte das reparações a serem feitas pelo Estado brasileiro. Há, inicialmente, que se recuperar a dignidade dos mesmos e reconhecer a sua importância como agentes históricos, construtores e fazedores de sua própria caminhada. Hoje, faz-se urgente edificá-los na íntegra, reconstituindo os laços existenciais que foram perdidos e que são a origem e essência de cada negro e negra deste país.

Pensar que a redução das desigualdades está apenas na aplicação de polí-ticas que evidenciam a redução da pobreza, não leva necessariamente à redução das desigualdades raciais. Isso somente acontecerá se formos além da matéria e constituirmos políticas e estratégias que unam a necessidade de reparação material com a reconstrução da dignidade humana desta parcela da sociedade brasileira.

Texto: Alisson Ferreira
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1 - Site do Ministério da Fazenda – Diagnóstico das desigualdades raciais no Brasil
2 - Os números podem ser encontrados no site do IBEGE