segunda-feira, 26 de julho de 2010

PRESIDENTE LULA SANCIONOU O ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL

Este post é muito importante para todos os cidadãos negros brasileiros (de forma especial). Ele foi tirado do site do Presidente LULA " Café com o Presidente".

Leiam....




Apresentador: Olá, você, em todo o Brasil. Eu sou Luciano Seixas, e começa agora o Café com o Presidente, o programa de rádio do presidente Lula. Olá, presidente, como vai? Tudo bem?

Presidente: Tudo bem, Luciano.

Apresentador:
Presidente, o senhor sancionou a lei que cria o Estatuto da Igualdade Racial, na terça-feira passada. Qual a importância dessa lei?

Presidente: Olha, Luciano, primeiro, a importância da lei é garantir que neste país, a partir de agora, não exista nenhuma diferença entre negros e brancos. Na verdade, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, transformado em lei, vem reforçar aquilo que a gente já tinha previsto na Constituição de 1988, fazer do Brasil uma República efetivamente democrática, em que todos, sem distinção, sejam tratados em igualdade de condições. O que é importante é que esse projeto levou mais de 10 anos para ser aprovado no Congresso Nacional. Foi um trabalho imenso. Eu lembro que na primeira Conferência da Igualdade Racial, eu chamava a atenção para todos os movimentos que representam a comunidade negra brasileira, de que era preciso que eles se unissem e que eles construíssem um único estatuto para que o Congresso pudesse aprovar. Porque enquanto tivesse vários pensamentos sobre estatuto no meio do movimento, ele se refletia no Congresso Nacional, e se refletindo divergências no Congresso Nacional seria muito difícil que fosse aprovado o Estatuto da Igualdade Racial. Então, a sabedoria do movimento e o aprendizado que nós tivemos nesses últimos anos, um trabalho muito forte do ministro Eloi (Elói Ferreira de Araújo – Ministro da Igualdade Racial) fez com que a gente construísse uma proposta única, sabe, que foi aprovada na Câmara e que foi aprovada no Senado. E isso então pôde ser aprovado, transformado em lei, sabe? Não é tudo que a gente quer, ainda faltam coisas pra gente fazer, mas é importante que a gente tenha a clareza que hoje nós temos o Estatuto da Igualdade Racial, nós temos uma lei que dá mais direitos, que recupera a cidadania do povo negro brasileiro. É importante a gente nunca esquecer que nós ficamos 380 anos, sabe, praticando escravidão neste país. O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão. Acho que nós temos uma dívida enorme com o Continente Africano, com o povo africano, é uma dívida que a gente nunca vai poder pagar em dinheiro, a gente vai poder pagar, sabe, em solidariedade, em ajuda humanitária, em ajuda ao desenvolvimento, em ajuda no conhecimento científico e tecnológico que o Brasil tem que ajudar o povo da África. E, assim como o Brasil, todos aqueles, sabe, que conseguiram crescer colocando em prática a política, eu diria, intolerável da escravidão, sabe? E, ao mesmo tempo, nós temos que agradecer sempre, ou seja, a miscigenação, a alegria, a bondade, o jeito da gente ser, o gostar do carnaval, o gostar de dançar, o gostar de futebol, sabe, o sorriso, o tratamento que a gente tem com todo mundo que frequenta o Brasil. É tão extraordinário que eu acho que tudo isso nós devemos, essa mistura fantástica entre negros, índios e europeus.

Apresentador: Você está ouvindo o Café com o Presidente, o programa de rádio do presidente Lula. Presidente, na mesma ocasião o senhor sancionou a lei que cria a Universidade Luso Afro Brasileira. Como ela vai funcionar?

Presidente: Olha, eu penso que, nós já tínhamos criado a Universidade da América Latina, uma universidade que vai atender estudantes latino-americanos, com currículo latino-americano, com professores latino-americanos, pra contar a história da América Latina. Ou seja, no fundo, no fundo, é a maior contribuição que a gente pode dar à integração da América Latina. Eu fico sempre me perguntando, como é que Cuba, um país pobre, de apenas 11 milhões de habitantes, consegue ter universidades, sabe, que atende gente do mundo inteiro, e um país do tamanho do Brasil não pode ter? Nós vamos construir uma Universidade Luso Afro Brasileira na cidade de Redenção, no estado do Ceará, cidade esta que foi a primeira onde houve o movimento pela libertação da escravidão no Brasil. É uma universidade que nós pretendemos que ela tenha por volta de 10 mil alunos, 5 mil alunos africanos, e 5 mil alunos brasileiros. No início, a lei está aprovada para atender alunos dos países africanos de língua portuguesa. Eu acho que nós temos que ampliar para todo o Continente Africano, ou seja, para que a gente possa atender um pouco de aluno de cada país africano, para gente formar a capacidade intelectual, ajudar a formar engenheiros, médicos, enfermeiras. E essa universidade é pra isso, é pra gente formar profissionais, é pra gente fazer uma espécie de pagamento de tributos que nós temos com o Continente Africano, e ajudar o Continente Africano. Ou seja, é o Brasil assumindo a sua grandeza, é o Brasil assumindo, ou seja, a condição de um país que a vida inteira foi receptor e, agora, é um país doador. Ou seja, nós queremos ajudar os outros a desenvolverem. Por isso, eu fiquei extremamente feliz quando o Senado aprovou a criação da Unilab.

Apresentador: Muito obrigado, presidente Lula, e até a próxima semana.

Presidente: Obrigado a você, Luciano, e até a próxima semana se Deus quiser.

Você pode acessar este programa em www.cafe.ebc.com.br.

sábado, 24 de julho de 2010

Ali Kamel e a farsa de seu livro: “Não somos racistas”

Coloco este post de um texto muito bem elaborado por Mara Onijá. Ela analisa mais uma tentativa de descaracterizar o RACISMO dentro da sociedade brasileira... novas caras e os mesmos argumentos. É D + para todos nós.

Leiam....

Nesse artigo, tratamos de debater com algumas das principais idéias do livro “Não somos racistas – Uma reação aos que querem nos transformar em uma nação bicolor”, de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo, publicado em 2006. A idéia principal de Ali Kamel é de que o racismo não é um aspecto estrutural da sociedade brasileira. Para ele, o racismo existe aqui, mas porque “onde há homens reunidos há também todos os sentimentos, os piores inclusive”. Assim, ele resume o racismo daqui como um sentimento, uma questão moral, definição que está a serviço de esconder o racismo institucional e o papel que cumpriu e cumpre o Estado para sua manutenção.

“Aqui, após a Abolição, nunca houve barreiras institucionais a negros ou a qualquer outra etnia”

Para afirmar isso, ele tem que omitir como se deu o processo pós-Abolição. O projeto que o Estado brasileiro implementou esteve de acordo com seu objetivo de embranquecimento do país, colocando os negros como “incapazes” de compor a classe operária que então foi formando-se. A imigração européia foi promovida a passos largos: de 1890 a 1900, 1,4 milhão de imigrantes chegaram ao Brasil. Para os negros, que compuseram a força de trabalho escravo durante mais de 300 anos, a introdução do “trabalho livre” significou transformar-se em exército de reserva, sob as piores condições de vida. Ao contrário da definição de Ali Kamel, o racismo não se apresentou como mero “sentimento”, mas como política de Estado, planejada e implementada. Se isso não se caracteriza como barreira institucional, o que mais poderia assim se caracterizar?

Mas além de impedir os negros de ocupar os postos de trabalho que iam se gerando, o Estado tratou ainda de garantir a repressão e punição judicial aos negros com a Lei de Vadiagem, dois anos depois de abolida a escravidão. Negros que não comprovassem trabalhar, assim como a capoeiragem e os terreiros de candomblé, eram perseguidos violentamente. A lei considerava vadiagem: “Deixar de exercitar profissão, ofício, ou qualquer mister em que ganhe a vida, não possuindo meio de subsistência e domicílio certo em que habite; prover a sua subsistência por meio de ocupação ofensiva da moral e dos bons costumes” [1]. Por um lado, milhões de negros que introduziram aqui técnicas desenvolvidas na África [2] e suportaram as condições de trabalho mais desumanas da escravidão não serviam mais para o trabalho [3]. Por outro lado, todos aqueles que não exerciam profissão eram considerados “vadios”. Depois de cumprir pena, que podia chegar a três anos em caso de reincidência, tinham ainda que assinar um termo comprometendo-se a “tomar ocupação dentro de quinze dias”. Ao mesmo tempo que te impedem de trabalhar, te obrigam a ter trabalho: assim poderíamos resumir esse mecanismo. Estavam na mira do desemprego e da repressão policial os negros recém “libertos”. Mas para Ali Kamel, nunca houve barreiras institucionais aos negros depois da abolição…

O racismo a serviço do capitalismo

Poderiam ser escritas muitas páginas sobre as “barreiras institucionais” que garantiram a manutenção do racismo ao longo desses 122 anos, após a Lei Áurea. As medidas de opressão ao povo negro não foram meros detalhes, mas parte essencial do projeto de formação do Brasil. Se hoje, os salários e direitos trabalhistas dos negros e negras são tão inferiores e ainda compomos em grande medida os índices de desemprego, tudo isso serve aos capitalistas para rebaixar a média salarial do conjunto da classe trabalhadora e aumentar seus lucros. A idéia de que negro é incapaz ou não se enquadra nos padrões de boa aparência se mantém muito a serviço desse interesse.

Como afirmou Malcolm X, “não existe capitalismo sem racismo”. E isso diz respeito não somente aos dias atuais, mas ao processo histórico em que se desenvolveu o capitalismo. O trabalho escravo do africano e do afro-descendente no continente americano – marcando-nos como “seres inferiores”, não-humanos - gerou riquezas exorbitantes às metrópoles. E mais ainda com o tráfico de africanos seqüestrados foram gerados lucros ainda maiores, dos quais se beneficiou principalmente a Inglaterra, justamente o país que a seguir esteve à frente no desenvolvimento da indústria capitalista – e que então empreendeu uma luta violenta contra o tráfico de africanos, pela expansão do trabalho livre [4].

Uma vez mais, a idéia de um Brasil mestiço para maquiar o racismo

Depois de tantas críticas a Gilberto Freyre e sua concepção de um Brasil mestiço e harmônico - feitas não somente pelo movimento negro, mas também por intelectuais brancos comprometidos em alguma medida com a luta pela igualdade racial -, Ali Kamel traz de volta as idéias de Freyre. Espertamente, apresenta-o como quem mais se destacou em se contrapor ao pensamento racista que predominava nas ciências sociais no início do século passado. É verdade quando Kamel caracteriza esse pensamento como “abjeto”. Mas há um problema: o pensamento racista de fins do século XIX e início do XX, que partia de caracterizar os negros como biologicamente inferiores para defender sua progressiva diminuição no contingente populacional, não foi eliminado nos dias atuais – apenas ganhou novas roupagens. De tempos em tempos, mesmo depois de todas as comprovações científicas sobre o quanto infundadas são essas teorias, aparecem cientistas reafirmando a existência de inferioridades biológicas. Pelo raciocínio de Ali Kamel, deveria se concluir que tudo isso não passa de exceção à regra.

Para Ali Kamel, é um absurdo que aqueles que se autodenominam “pardos” sejam considerados “negros”. Segundo ele, um “pardo” tem descendência de negros e também de brancos – o que é verdade. Mas é a descendência negra à mostra que predomina nas entrevistas de trabalho ou nas batidas policiais [5]: nessas horas, ninguém tem dúvida sobre quem é branco e quem é negro, o racismo mostra a sua cara sem máscaras e a “nação bicolor” se revela uma vez mais.

Mas Ali Kamel está preocupado em encontrar o “cafuzo, mulato, mameluco, caboclo, escurinho, moreno, marrom-bombom”. Ele se assusta com o que para ele só pode ser uma idéia – equivocada – e não uma realidade: “uma nação de brancos e negros onde os brancos oprimem os negros”. E continua: “Outro susto: aquele não era o meu país”.

Seu país é bem diferente dos Estados Unidos, pois aqui “quase todos, mesmo os racistas, encantam-se com o que se considera ter vindo da África”. Ora, os negros viemos da África e encantamento por nosso povo é o que não conhecemos desde os tempos da escravidão. Ah, mas ele está falando da cultura negra, podem dizer. E o que muda? A burguesia branca pode mesmo se encantar com o carnaval do Rio de Janeiro ou da Bahia [6]. Mas, além de isso ter como pano de fundo o turismo sexual, em que as mulheres negras seguem como “mulatas” de consumo, essa aparente “confraternização” não muda em nada as relações sociais que marcam o racismo estrutural.

Mas Ali Kamel é um “freyreano” convicto. Chega ao ponto de dizer que Gilberto Freyre deu ao negro a “sua real dimensão”, e exalta a “mistura” insistentemente. Ele acusa os críticos de terem lido apressadamente ou não terem lido a obra de Gilberto Freyre. Faz isso para não ter que explicar a contradição entre a caracterização de “congraçamento” – ou seja, amizade, fraternidade – e os estupros, olhos furados, peitos dilacerados relatados pelo próprio Freyre.

A solução de Ali Kamel só pode ser uma farsa

Ali Kamel não ignora os números das pesquisas que revelam as desigualdades raciais: ele as manipula tentando provar por um lado que a “pobreza é parda” – e não negra – e que os negros – nesse caso, “pardos” e “pretos” - aparecem relacionados aos níveis mais baixos de condições de vida, pelo mero fato de ser grande parte da população pobre. Logo, para ele, as políticas específicas para os negros são infundadas.

É aí que entra no que diz ser “a face mais feia da sociedade brasileira”: “o preconceito contra os pobres”, que ele espera diminuir com a diminuição da pobreza! E então, vem a “única solução”: a educação. A “fórmula mágica” é investir na educação e assim o país se desenvolverá e ajudará os pobres a deixar de ser pobres (ou tão pobres). Esse é o mundo de Kamel: o racismo não é estrutural no Brasil e pobreza não tem nada a ver com exploração capitalista! Na sociedade que ele desenha, não existem capitalistas mantendo seus lucros exorbitantes sob o sangue e o suor dos trabalhadores e nem a manutenção de um exército de reserva que vive na miséria. O problema é uma tal concentração de renda abstrata, que não se explica como se desenvolve – só o que ele pode dizer é que investir na educação será a solução. Não é à toa que Yvonne Maggie [7] afirma que o que está em pauta é o “nosso futuro”. Está em pauta o futuro deles e o nosso, que não pode ser o mesmo, porque a “nação” que apresentam, não garante direitos iguais: na verdade, garante muitos lucros a quem possui a propriedade privada, ao mesmo tempo em que garante exploração e repressão aos que nada têm, a não ser a sua força de trabalho. E o problema da “nação bicolor” não está colocado somente para que se contraponham às políticas de cotas raciais. Também nesse caso, está em pauta o futuro: se os negros desse país tomam em suas mãos a luta contra a opressão histórica a que estamos submetidos isso significará colocar em risco as bases da dominação dessa burguesia branca. É por isso que lutamos. É contra isso que se coloca Ali Kamel.
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[1] Artigo 399 do Código Penal de 1890.
[2] Ao contrário das idéias que se propagam até hoje, muitos grupos africanos desenvolveram antes da chegada do homem europeu técnicas de agricultura, mineração e metalurgia, sistemas matemáticos, conhecimentos de astronomia e medicina, etc.
[3] Celso Furtado, em Formação Econômica do Brasil, livro escrito em 1959, afirma que “Sendo o trabalho para o escravo uma maldição e o ócio o bem inalcançável, a elevação do seu salário acima de suas necessidades – que estão definidas pelo nível de subsistência de um escravo – determina de imediato uma forte preferência pelo ócio”.
[4] É importante ressaltar que não havia nenhum interesse humanitário combinado a esse interesse econômico. O combate ao tráfico de africanos, desde meados do século XIX implementado pela Inglaterra como uma forma de acabar gradualmente com o trabalho escravo no continente americano, significava perseguir, bombardear e naufragar navios cheios de africanos.
[5] Aquele considerado “mestiço” ou “pardo” pode até conseguir uma vaga de emprego se estiver concorrendo com alguém considerado “preto”, mas se tiver um branco à disposição, vão embora o “mestiço” e o “preto”, sentindo na pele o que é ser negro nessa sociedade, ainda que varie a melanina.
[6] O que não quer dizer que a História da África e todo conhecimento produzido nesse continente sejam valorizados: persiste a idéia de uma África de safáris, fome, Aids e nada mais.
[7] Professora de Antropologia da UFRJ, uma das organizadoras da carta pública contra as cotas, intitulada “Todos têm direitos iguais na República Democrática”.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A preservação da identidade afrodescendente

Analisando contextualmente a realidade das comunidades afrodescendentes é por demais evocado o doloroso e longo período de intolerâncias, torturas, perseguições e os elevados níveis de maceração da pessoa humana. Estes atos que nos dias de hoje estão travestidos de um racismo velado continuam a macerar estas comunidades e tomam formas brutalmente discriminatórias ferindo a diversidade e o multi-culturalismo existente em nossa nação.
O Brasil possui a maior população negra fora da África e a segunda maior do mundo atrás apenas da Nigéria. Causa espanto que passados 122 anos da Abolição da Escravatura, os negros continuem seu martírio à margem da sociedade, um martírio que dentre muitos fatores se acentua nos dias de hoje personificado em um completo desrespeito ao seu direito à liberdade de consciência de crença e a dignidade dos cultos e religiões de matriz africana praticadas em território brasileiro.
A constituição de uma sociedade é complexa e múltipla, nela está toda uma gama de culturas e de grupos sociais que inflam a necessidade da garantia à pertença cultural e à diversidade. Na gênese das sociedades está também o conceito da universalização dos direitos dos cidadãos que romanticamente concebe a idéia de unidade legal entre todos. Entretanto, este conceito de universalização dos direitos do cidadão é falho no que diz respeito à percepção das diferenças, contextualmente este conceito esta longe de fazer o devido reconhecimento das diversidades multi-culturais e multi-étnicas, sendo assim, passa por acentuar ou perpetuar a marginalização de grupos como os de origem africana.
A colonização impetrou os padrões humanos e culturais desejáveis para a colônia que nascia

Ao longo da história vem se constituindo uma vasta literatura sobre afro-descendência, bem como sobre os movimentos de resistência das culturas africanas que migraram para o Brasil. Alguns trabalhos ressaltam a questão do impacto causado pela presença do colonizador que, inicialmente, tentava impor suas tradições através de uma ideologia baseada na incorporação de seus valores e na conseqüente submissão do negro. Evidentemente, houve um fracasso do ideal de branqueamento físico, mas a ideologia proveniente desse processo histórico foi mantida no imaginário coletivo brasileiro, tanto daqueles considerados negros quanto dos brancos e mestiços, de maneira que todos compartilham dos mesmos estereótipos; prejudicando o ideal dos movimentos sociais na busca pela produção crítica de uma identidade afro-descendente[1]. Essa ideologia é disfarçada por mecanismos “... subliminares de encobertamento permeados por um aparente tratamento cordial” [2], uma farsa sobre o preconceito, o que o torna mais difícil ainda de ser localizado e compreendido. Porém, em contraponto a qualquer tipo de cristalização e inércia das forças ideológicas e das tradições, esses movimentos sobrevivem, na tentativa de produzir uma identidade individual e coletiva através da reconstrução da própria história, origens e peculiaridades de cada grupo. E para uma percepção mais apurada desse processo, faz-se necessária uma reconstrução histórica. Em torno do século XVI, iniciaram-se as grandes navegações, que proporcionaram ao homem europeu um impacto no contato com tanta diversidade. Diante desta nova realidade, houve um conseqüente espanto, pois as novas concepções de realidade oferecidas demandavam uma reconstrução de valores. As tradições já não eram suficientes para ordenar e oferecer segurança e o pensamento moderno não era capaz de suportar tanta ambivalência[3]. A colonização brasileira foi marcada pelo pensamento moderno, imbuído por concepções “enraizadas na busca da ordem e na eliminação da ambivalência” [4]. Foram utilizadas estratégias violentas e excludentes, visando o controle e constituição de um padrão humano e de uma cultura consideradamente desejáveis.


Texto: Alisson Ferreira
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[1]MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica. 2004.
[2]FERREIRA, R. C. O brasileiro, o racismo silencioso e a emancipação do afro-descendente. Psicologia & Sociedade. 2002
[3]IDEM, FERREIA (2002)
[4]IBIDEM, FERREIRA (2002)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Brasileiros e cidadãos

A urgência da construção e utilização dos espaços e ferramentas democráticas nas cidades mostra-se cada dia mais evidente. Num sentido mais amplo, e, recorrendo a nossa juvenil história republicana, vê-se que o anseio de uma sociedade voltada para a valorização da participação popular esbarra nos entraves de uma cultura política acostumada com a permanência.

A cidadania é tratada por muitos como algo que se consegue de cima para baixo, ou seja, ela nos é concedida pelos homens públicos e suas ações políticas. A manutenção deste pensamento causou e ainda causa problemas na formação de cidadãos conscientes de sua importância nas transformações sociais.

O Brasil se constituiu sob arcabouços legais que só fizeram evidenciar a superioridade de algumas classes sobre as outras. No período que compreende os dois reinados brasileiros (1822-1889), a monarquia exerceu um papel que visava o estabelecimento de uma unidade nacional, ela deveria nacionalizar a independência, levá-la aos confins do imenso território nacional e desfazer a imagem sulista que a proclamação da Independência deixou. Era necessário, também, garantir a manutenção desta unidade. Para isso, era urgente a criação de legislações que garantissem a inclusão dos diversos setores e classes da sociedade; não foi o que aconteceu. Em benefício das elites regionais, preocupadas com a manutenção de seus privilégios e benesses, tudo o que foi realizado só fez ressaltar o adiamento de muitas discussões pertinentes ao desenvolvimento da cidadania. Como manter a unidade dividindo?

Dividir foi, e ainda é, um verbo muito recorrente nas relações de dominação. Tornar um povo individualista, relativista e alienado não é algo fantasioso ou imaginário - é a política de muitas formas de governo. A nossa “modernidade líquida” [1] não se interessa em construir laços firmes, bases sólidas e estruturas familiares dentro das sociedades. O conceito de unidade, nesta realidade social, não pressupõe o “comunitarismo”, e a unidade a ser alcançada é baseada na aceitação de sistemas políticos nocivos de visões idealistas abstratizadas. Em suma, a divisão causada, nesta modernidade, faz com que as ferramentas de ação popular sejam prejudicadas, contribuindo para o enquadramento das pessoas em padrões pré-determinados que as distanciam da reivindicação de melhorias sociais.

A participação popular não pode ser apenas um discurso, Deve ser um anseio que queima, uma vontade que impulsiona as comunidades e as revolucionam socialmente. O Brasil monárquico buscou nacionalizar a independência, lutou pela manutenção de uma unidade social, porém, o que conseguiu foi a construção de uma sociedade pouco participativa e à margem das decisões políticas. Os resultados destas ações estão enraizados em nossa nação até os dias atuais.

Comunidades participativas e integradas às discussões políticas constroem justiça social, promovem a partilha e contribuem para o real e efetivo desenvolvimento das práticas democráticas. As disparidades participativas criadas ao longo da história do Brasil não podem mais fazer parte de nossas comunidades. Como agentes sociais, o presente está a nos cobrar mais participação, mais reivindicação, para que os anseios de uma nação, verdadeiramente unida, não fiquem apenas na utopia.


Texto: AlissonFerreira
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[1] Nome de uma das obras do Sociólogo polonês, Zigmund Bauman

O negro e a educação republicana

O Brasil, com uma população negra inferior apenas a da Nigéria, não conseguiu, em 120 anos de história republicana, eliminar as desigualdades que mancharam e ainda mancham as relações étnico-raciais. Isso pode ser observado quando se analisa que, até pouco tempo atrás, não tínhamos a inclusão dos termos discriminação e racismo como categorias de estudo para explicar o fato de os negros possuírem os mais baixos índices de desenvolvimento dentro das esferas sociais.
A questão racial, que percorreu e gravitou em todos os momentos da jovem história democrática do Brasil, sempre enfrentou os resultados negativos da latente falta de uma gestão política cidadã. As decisões de gabinetes, historicamente, incluíam as demandas das elites oligárquicas nacionais e abafava a questão racial, fugindo assim, do conflito que se fazia presente e era cada vez mais evidente na sociedade brasileira.

Quando a República foi proclamada em 1889, um de seus pilares firmava-se em oferecer educação a todo brasileiro e construir uma sociedade pautada nos preceitos positivistas e republicanos de igualdade e de prosperidade. Porém, o que se viu e é visto em muitas ações governamentais é um total descumprimento dos princípios de uma República Democrática onde, instituições públicas como as escolas, ainda perpetuam o preconceito e a discriminação de republicanos pobres e negros.

O que há de se questionar, no que tange a universalização da educação, é se ela está sendo realmente levada a todos. Do ponto de vista sociológico pode-se dizer que o termo “todos” deve ser entendido como o ato de levar uma educação a cada um e a cada uma dentro do território nacional. Existem muitos lugares em nosso país em que o termo “todos” é entendido como um “todo particular”, sem a perspectiva da ampla abertura que o plural da palavra exige. A falta deste entendimento é o resultado de muitos problemas históricos vividos pela comunidade negra em nosso país.

As tentativas de se estabelecer um discurso de “democracia racial” onde supostamente existiria uma igualdade de condições entre os cidadãos brasileiros negros e brancos não se sustentam há muito tempo. A organização da comunidade negra e dos organismos de defesa dos diretos humanos e de controle público vem denunciando, há anos, a situação em se encontram os negros brasileiros.

Mesmo com os 120 anos da República Federativa do Brasil e os muitos avanços dos aparatos jurídico-normativos que estabelecem inclusão de todos na vida social, a educação ainda não se constituiu como um valor, uma prioridade governamental. O que vemos são soluções “mágicas” e programas educacionais tecnocratas pregados por governos com políticas pautadas na visão de uma educação de resultados, muito pouco humana e acolhedora. A escola pública no Brasil deve cumprir o seu papel social de humanizar as relações, de diminuir as diferenças, incluindo em seu regaço todo um universo de pessoas, educando-as para a vida.

É muito recente por parte de escolas e pesquisadores, a preocupação com o tema da educação de negros brasileiros. Talvez este fato se responda pela constatação da inexistência de fontes e trabalhos acadêmicos sobre este assunto no decorrer da história de nosso país. No Brasil a educação é tratada de forma estrutural e material e quase nunca sob o prisma das relações humanas, da aceitação das diferenças e da melhoria da instrução cidadã e multi-étnica. É evidente em nossas instituições de ensino a ausência de saberes voltados para a educação étnico-racial e, é historicamente comprovado que nossos governos naturalizaram a ausência dos mesmos. A República do Brasil fugiu ao conflito que se instalou na abolição da escravatura em 1888, não quis discutir a situação de inserção social das centenas de negros libertos e dos afro-brasileiros que povoavam o imenso território nacional e se preocupou muito mais em resolver os valores indenizatórios a serem pagos às oligarquias que participavam da economia escravocrata.

É no conflito que cresce e se desenvolve a vida e é dele que brotam as perspectivas de mudanças, de quebra das imobilidades gestoriais que aprisionaram e aprisionam o convívio com as diferenças. Ou o Brasil se prepara para lidar com as diferenças ou continuaremos a fugir dos conflitos históricos que se adiaram e se adiam desde a constituição de nossa República.

Texto: Alisson Ferreira

terça-feira, 20 de julho de 2010

A Cor da pobreza e a reconstituição da dignidade

Não há como negar que, ainda hoje, a maioria dos pobres brasileiros é negra. A pobreza no Brasil tem forte acentuação racial; além de ser medida por sexo, ela também tem cor. O Ministério da Fazenda realizou um diagnóstico das desigualdades raciais no Brasil[1] e chegou à seguinte conclusão em relação à população negra: cerca de 50% encontra-se abaixo da linha da pobreza e 25% abaixo da linha de indigência. Comparados, em relação à população branca pobre, 25% da população negra esta abaixo da linha da pobreza e 10% na linha da indigência. O SENSO 2001/2002[2] diagnosticou que 65% da população brasileira pobre é negra e que, na categoria dos indigentes a percentagem de negros chega a 70%.
Os organismos que analisam a pobreza no mundo não colocam o Brasil entre as nações pobres, porém, se não somos um país pobre, certamente, somos um país extremamente injusto. A divisão de renda no Brasil é o fator determinante para a existência de tanta disparidade social. Estes números atuais pertencem a processos históricos desiguais que foram vivenciados dentro de 510 anos de história. Não precisamos ser ótimos estudantes de História ou mesmo Geografia para descobrir que o Brasil em seu desenvolvimento social privilegiou a cultura européia em detrimento da já existente aqui. Tudo que não referendasse essa cultura se tornava empecilho à constituição de uma boa sociedade. Os negros nunca fizeram parte deste projeto de nação; eram estorvo e peso a serem descartados.
Relatos de historiadores da Colônia, do Império e da República atestam que, desde 1538, os negros produziam conhecimento, saberes e fazeres em terras brasileiras. Estes saberes e fazeres foram negligenciados e apagados pelas instituições governamentais e pelas academias. Somente nas últimas décadas, por força dos movimentos negros, é que pesquisas sobre a temática negra ganharam força. A exclusão do sujeito africano e posteriormente afro-brasileiro da história de nossa nação favoreceu a constituição de políticas racistas que afastaram os negros de direitos essenciais para a constituição de sua cidadania. O negro no início da República brasileira tornou-se, para as elites que comandavam o país, o opróbrio de um sonho almejado por
eles.É preciso que haja, por parte dos governantes da nação, mais que ações afirmativas para que os negros e negras deste país sejam restituídos do massacre sócio-cultural a que foram expostos. Vejo que o reconhecimento material constitui apenas uma parte das reparações a serem feitas pelo Estado brasileiro. Há, inicialmente, que se recuperar a dignidade dos mesmos e reconhecer a sua importância como agentes históricos, construtores e fazedores de sua própria caminhada. Hoje, faz-se urgente edificá-los na íntegra, reconstituindo os laços existenciais que foram perdidos e que são a origem e essência de cada negro e negra deste país.
Pensar que a redução das desigualdades está apenas na aplicação de políticas que evidenciam a redução da pobreza, não leva necessariamente à redução das desigualdades raciais. Isso somente acontecerá se formos além da matéria e constituirmos políticas e estratégias que unam a necessidade de reparação material com a reconstrução da dignidade humana desta parcela da sociedade brasileira.


Texto: Alisson Ferreira
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[1] Site do Ministério da Fazenda – Diagnóstico das desigualdades raciais no Brasil[2] Os números podem ser encontrados no site do IBEGE

Bem-vindos!


Amigos e amigas, fico feliz de poder compartilhar com vocês neste espaço meus artigos, pensamentos e análises sobre diversos assuntos que preenchem a nossa vida e que edificam a nossa cidadania. Espero que possam utilizar deste blog como mais uma ferramenta de participação crítica dentro da complexidade da sociedade. Aproveitem!