sexta-feira, 19 de novembro de 2010

"“A felicidade do negro é uma felicidade guerreira”

Há 315 anos, morria, em vinte de novembro, um “certo” Francisco. Este homem poderia ter sido apenas mais um dos muitos Franciscos de sua época. Não o foi por um detalhe: decidiu fazer a diferença. Saiu da imobilidade e da covardia lançando-se numa entrega total pela causa de seu povo - os negros e negras de um europeizado Brasil. Este Francisco, brasileiro, negro, filho de escravos; que transformou a luta contra a discriminação racial em missão; que doou sua própria vida por tão justa causa, é conhecido por Zumbi dos Palmares.

Por sua coragem, Zumbi tem hoje seu nome entre os grandes líderes de nossa história. No panteon dos heróis nacionais sua imagem leva o selo da resistência e da luta contra a escravidão; da luta pela liberdade de culto, religião e prática da cultura africana no Brasil Colonial.

Sob novas formas, porém com o mesmo enfoque, a luta de Zumbi continua até os dias atuais. Zumbi ecoa nos morros favelados e nos acampados sem-terra; na marcha dos famintos, dos sem teto e nas grandes filas de desempregados. Zumbi luta nos braços dos trabalhadores rurais desprezados pelo sistema; no caminhar desolado das mães que perderam seus filhos para o crime e para as drogas. Zumbi é a luta teimosa do dia-a-dia, o olhar firme de quem não se entrega à amargura e à insensibilidade dos tempos atuais.

Comemorar o dia da Consciência Negra é colocar-se pronto a assumir, todos os dias, a missão iniciada por Zumbi dos Palmares. É levantar a bandeira dos desprezados, dos discriminados, dos não inclusos sob as asas da lei e algo sobre os quais a história oficial fez questão de ignorar. É construir espaços democráticos, abrir caminhos para a participação popular, soltar o grito de “basta” e continuar firme na caminhada.

O “20 de novembro” deve ser vivido todos os dias de nossas vidas. Seu significado é mais que calendário, é receita concreta do que queremos e do que não queremos para nossas vidas. Não se pode contentar com um país desigual e discriminador; não se pode andar satisfeito por ruas onde reina a indiferença; e, joelhos não devem se dobrar para o chicote do racismo. O Brasil merece que sua história seja recontada. O povo brasileiro deseja conhecer os seus anônimos, seus esquecidos, os postos à margem, a gente simples; todo este grupo de pessoas que ajudaram a construir este país e foram transformados em poeiras no tempo, verdadeiros refugos de uma historiografia elitizada e parcial.

A luta de Zumbi está, como diria o cantor e compositor Renato Russo: “nos uniformes e cartazes, cinemas e nos lares, favelas, coberturas em todos os lugares”[1]. Esta luta é sinfonia urbana que muitos insistem em não querer ouvir ou fingem que ouvem. Zumbi é música urbana, é grafite nos muros, é a dança do jovem nas periferias, é o cantar das folias, são os reis e as rainhas congas em suas cortes de cidadãos brasileiros.

Fazer ressoar a cantiga da luta que não cessa é o nosso compromisso de cada dia. Pela lembrança dos imensuráveis construtores anônimos de nossa história é que devemos fazer do dia 20 de novembro um grito, um hino onde a letra não se furte da luta: “Em cada estalo, em todo estopim, no pó do motim. Em cada intervalo da guerra sem fim. Eu canto, eu canto, eu canto; eu canto assim: A felicidade do negro é uma felicidade guerreira! A felicidade do negro é uma felicidade guerreira!”...[2]

Texto: Alisson Ferreira


[1] Renato Russo, Música Urbana – CD Legião Urbana 2 - 1986
[2] Letra de Waly Salomão & música de Gilberto Gil (para o filme Quilombo),1983.

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