terça-feira, 19 de março de 2013

Futuros covardes vestidos com a toga

Houve uma época, é claro, em que nós cinco não conhecíamos um ao outro...Ainda não conhecemos um ao outro, mas aquilo que é possível e tolerável para nós cinco possivelmente não será tolerado por um sexto. Em todo caso, somos cinco e não queremos ser seis....
Longas explicações poderiam resultar que o aceitássemos em nosso círculo, de modo que preferimos não explicar e não aceitá-lo.... Franz Kafka, Amizade.

Alisson Ferreira  

Acompanhei com repugnância e porque não dizer, com ira, os deploráveis atos com contornos DEGRADANTES impetrados a calouros do curso de DIREITO da UFMG. 

O grande filosofo, advogado e orador romano, Cícero, declarou: "A lei é inteligência, e sua função natural é impor o procedimento correto e proibir a má ação." É bem capaz que os estudantes "veteranos" da UFMG, que cometeram o "trote", tenham se deparado com essa citação em algum momento de seu curso. Porém, a aplicabilidade da beleza dessa declaração foi substituída por um profundo contra-testemunho de seu aprendizado. Um bom estudante de DIREITO saberia que é CRIME colocar qualquer pessoa em situação de vexame ou degradação pessoal, assim está expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos, "artigo V - Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante." 

Como confiar a sublime arte de defender e aplicar a lei, a indivíduos tão esvaziados de humanidade? A arte de advogar não pode ser entregue a esses "infelizes". Esses, deformam a essência do direito e zombam de sua aplicabilidade, são covardes que se travestem de estudantes e que desrespeitam um semelhante por simples prazer. 

Estão zombando de nós! Sim, estão. Frequentam Universidades Públicas e atacam a imagem de nossas instituições ferindo a integridade de um semelhante, de um CIDADÃO. Fazem isso e saúdam o escárnio realizado, com sarcasmo e gestual NAZISTA. Colorem de NEGRO uma jovem e a "batizam" com o nome de uma escrava: "Chica da Silva". Ferem a integridade da jovem e destilam sentimentos racistas nesse ato. 


Esses futuros advogados e juízes desmoralizam a profissão e fornecem o que o cantor Renato Russo cantou: "sempre mais do mesmo". A descrença na justiça é algo sempre recorrente nos bate papos cotidianos. Vivemos uma crise ÉTICA e isso fica mais claro a cada dia. O que esperar de um PAÍS onde estudantes de direito alicerçam seu aprendizado na desmoralização das leis e do ser humano? 

Me respondam, devemos ser tolerantes aos desvios desses estudantes? Ou exigiremos punição aos atos e a reconstrução do RESPEITO perdido? Que saibamos enxergar no outro a dignidade que desejamos e preservamos em nós. 

Nosso país não pode cair nas mãos de " futuros covardes vestidos com a toga". Que sejam todos punidos exemplarmente e basta de "trotes" em nossas Universidades! 

quinta-feira, 14 de março de 2013

A ajuda humanitária que gera dependência


Divulgação
Luta contra a fome – uma bandeira que praticamente todos levantam. Mas há acusações de que muitos dos que dizem querer ajudar na verdade se beneficiam da miséria alheia.
O Haiti é o exemplo típico de uma política que traz lucro para os países desenvolvidos e prejudica os pequenos agricultores locais – justamente as vítimas da fome. Essa é a avaliação do diplomata Jean Feyder, de Luxemburgo, presidente da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad).
Em seu livro Mordshunger (em tradução livre "Fome voraz"), Feyder retrata o drama da ilha caribenha: até 30 anos atrás, os agricultores haitianos produziam arroz suficiente para a população do país. O Haiti foi então obrigado a reduzir suas taxas de importação de 50% para 3%. Alimentos subvencionados importados dos Estados Unidos arruinaram a agricultura local. Os produtores perderam seu meio de subsistência e cada vez mais pessoas começaram a passar fome.
Hoje, o Haiti importa dos Estados Unidos 80% do arroz que consome – e assim está à mercê dos caprichos dos mercados internacionais. Mesmo antes do terremoto que devastou o país em janeiro de 2010, o Haiti já era um dos países mais pobres do planeta.  O ex-presidente norte-americano Bill Clinton, que fez forte pressão pela redução nas tarifas alfandegárias haitianas, arrependeu-se de sua política: "Talvez tenha sido bom para alguns dos meus fazendeiros em Arkansas, mas foi um erro".
O que aconteceu com o Haiti, diz Jean Feyder à Deutsche Welle, vale para muitos outros países. Também os membros da União Europeia (UE) lucraram com a exportação de grãos, carne de aves, leite em pó ou polpa de tomate a preços que arruinaram produtores rurais nos países em desenvolvimento.
Ajuda que beneficia os países doadores
Assim, o Haiti e outros países tornaram-se dependentes de ajuda humanitária. Só que essa ajuda não é dada sem interesses próprios. "A doação de alimentos não pode continuar servindo como meio de os países doadores se livrarem de seus excedentes agrícolas e explorarem novos mercados", critica Feyder.
O princípio de ajuda útil para o próprio doador fica evidente no programa Food for Peace, dos Estados Unidos. Como maior país doador, os EUA vinculam quase um terço de sua ajuda econômica ao fornecimento de bens e serviços. Assim, produtos agrários norte-americanos são transportados por longas distâncias sob a bandeira dos Estados Unidos.
Os países que recebem a ajuda precisam comprovar, reprova Feyder, "que podem se tornar mercados consumidores dos produtos agrários norte-americanos". Lá os alimentos são distribuídos ou vendidos para financiar mais ações humanitárias.
A venda e distribuição garantem lucros a terceiros. Os agricultores locais sofrem. Segundo um representante da organização humanitária Care, no Quênia, se está destruindo o que se quer construir. Onde se tentou desenvolver um meio de subsistência para os agricultores através do cultivo de óleo de girassol, foram despejadas no mercado toneladas de óleo de cozinha subvencionado por programas de ajuda humanitária.
A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) quer reformas. Mas as tentativas de acabar com a monetarização do fornecimento de alimentos fracassou no Congresso. Além de agricultores e empresas de transporte, também organizações de ajuda humanitária protestaram por não abrirem mão do financiamento de seus programas.
Enquanto o governo dos Estados Unidos lutava, em 2010 o Programa Mundial de Alimentação (WFP, do inglês) das Nações Unidas respondeu por "78% dos alimentos comprados em países em desenvolvimento".
Esforço decepcionante
Organizações humanitárias, países doadores e em desenvolvimento entraram em acordo sobre uma forma mais efetiva de ajuda ao desenvolvimento em 2005. Em uma conferência em Paris, decidiu-se que deveria haver melhor coordenação, alinhada com as necessidades dos beneficiários, e que os resultados precisariam ser avaliados.
A Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OCDE) fez um balanço das medidas em 2011. Das 13 metas acordadas, apenas uma foi alcançada. O resultado foi considerado "decepcionante" pela OCDE.
Desiludido, o economista queniano James Shikwati pede o fim da ajuda ao desenvolvimento. De acordo com suas convicções, essa ajuda serve principalmente aos interesses políticos dos doadores. Na África, quem mais se beneficia da ajuda humanitária são os governos corruptos. A dependência foi aprofundada.
A declaração do ministro alemão para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Dirk Niebel, de que gostaria que fosse dado mais valor aos interesses da economia alemã foi considerada por Shikwati como "honesta". Em conversa com o "europeu", ele pediu a Niebel que "não prejudicasse os interesses econômicos da África através da ajuda humanitária", mas que se preocupasse em promover comércio justo.
Especialmente em regiões de conflito a ajuda humanitária cai em mãos erradas. De acordo com a agência de notícias Associated Press (AP), em agosto de 2011 foram roubados na Somália milhares de sacos de alimentos para as vítimas da catástrofe da fome.  O WFP anunciou que o roubo está sendo investigado.
Residentes de um dos campos de refugiados contaram que, depois de terem sido fotografados com sacos de milho, os alimentos foram novamente tomados deles. Nos mercados da capital, Mogadíscio, eram vendidos sacos com alimentos com selos do WFP, da Usaid e do governo japonês.
Ajuda aos famintos pode prolongar guerras
Já em 2010, um relatório do Grupo de Monitoramento da ONU para a Somália concluiu que metade da ajuda alimentar do WFP era roubada por senhores da guerra, comerciantes corruptos ou funcionários corruptos do próprio WFP. A organização negou isso.
A jornalista e escritora holandesa Linda Polman (A Indústria da Caridade. Os bastidores das organizações de ajuda internacional) conhece o mau uso da ajuda humanitária. Durante a fome na Somália nos anos 1990, ela testemunhou como os senhores da guerra roubavam suprimentos dos famintos para comprar armas. A ajuda pode prolongar uma guerra, assegura Polman, pois, segundo ela, "na guerra, alimento é arma."
Em entrevista à Deutsche Welle, Polman alerta para que não se glorifique instituições de caridade. Segundo ela, existe uma "indústria da ajuda", de instituições de caridade concorrentes e que têm interesses comerciais. Mesmo que tenham boas intenções, diz Polman, as organizações humanitárias vivem da fome e da ajuda humanitária. Elas concorrem pelo dinheiro de doadores e cooperam muito pouco entre si. E os poderosos nos países beneficiários se utilizam disso.
Segundo estimativas das Nações Unidas, existem cerca de 37 mil organizações internacionais de ajuda humanitária em todo o mundo. Na conta não estão incluídas iniciativas privadas. Polman apela aos doadores que controlem melhor projetos e instituições.
Transparência contra a corrupção – Open Aid
Wolfgang Wodarg já foi membro da comissão de Cooperação e Desenvolvimento Econômico do parlamento alemão e visitou muitos projetos de ajuda internacional. Hoje, Wodarg trabalha na diretoria da organização Transparency International na Alemanha.
Em entrevista à Deutsche Welle, ele estimou que apenas 10% da ajuda internacional chegam às pessoas que realmente precisam dela. "Corrupção e conflito de interesses são parte integrante da cooperação para o desenvolvimento", reclama Wodarg. E a única forma de combater esse mal é aumentar a transparência.
Para isso foi criado o movimento Open Aid: doadores e instituições de caridade devem publicar em uma plataforma comum tudo o que recebem em forma de financiamento. Os beneficiários devem ser incluídos. O objetivo é criar um sistema que permita que qualquer pessoa na internet possa ter acesso a todas as organizações, projetos e resultados da ajuda internacional. E assim se pode ver, também, quem de fato se beneficiou.
Autora: Andrea Grunau (ff)
Revisão: Roselaine Wandscheer

segunda-feira, 11 de março de 2013

Artista Plástica divinopolitana, Marli Rodrigues expõe obra sobre "Emilinha Borba"




Emília Savana de Sousa Costa da Silva Borba, ou simplesmente Emilinha Borba, nasceu no bairro da Mangueira, na cidade do Rio de Janeiro, em 31 de agosto de 1923. Ainda menina e contrariando um pouco a vontade de sua mãe, apresentava-se em diversos programas de auditório e de calouros. Ganhou seu primeiro prêmio aos 14 anos, na 'Hora Juvenil', da Rádio Cruzeiro do Sul. Daí para frente, ela só foi acumulando sucessos e mais sucessos.

Em 1942, foi contratada pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, desligando-se meses depois. Em setembro de 1943, retornou ao 'cast' daquela emissora, firmando-se a partir de então. Durante os 27 anos, lá permaneceu contratada como a 'Estrela Maior' da emissora PRE-8, a líder de audiência. Enquanto esteve na emissora, Emilinha atingiu o ápice de sua carreira artística, tornando-se a cantora mais querida e popular do país.
A primeira obliteração do Selo ocorreu no dia
08/03/2013, na Agéncia dos Correio Central de
Divinópolis, Minas Gerais, Brasil.
Selo
E foi para homenagear a 'Rainha do Rádio' que a artista plástica Marli Rodrigues*, em parceria com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, inaugurou a exposição em homenagem a Emilinha Borba, com a presença de convidados especiais.
Na ocasião, foi lançado o selo criado por Marli e que leva a foto da cantora. A imagem é do acervo de Ailton La Borba, divinopolitano e presidente do fã-clube de Divinópolis. A possibilidade de homenagem foi concedida com a autorização de uso de imagem pelo filho de Emilinha Borba, Artur Emilio de Souza Costa.
Na Agência Central dos Correios, em Divinópolis, estiveram presentes vários convidados especiais, como Luiz Antônio Brimatti Moretti, gerente da região de vendas Oeste de Minas dos Correios; a filatelista Fabiana Lima, funcionária dos Correios responsável pelo espaço cultural 'Arte Postal', que fica no saguão principal da agência onde fica a exposição 'Emilinha Borba e a época de ouro do rádio'.
Fonte: Jorge Guimarães, Jornal Agora
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* Marli Rodrigues, artista plástica divinopolitana (Divinópolis, Minas Gerais, Brasil), criadora do selo “Emilinha Borba. Um sonho nacional”. Marli detém a propriedade intelectual da obra.

sexta-feira, 1 de março de 2013

DEUS É NEGRO


* Frei Beto


Trago no sangue uma África. O reboar de tambores, a ponta afiada de lanças, os riscos coloridos realçando a pele e, na boca, o gosto atávico dos frutos do Jardim do Éden. Na alma, as cicatrizes abertas de tantos açoites, o grito imperial dos caçadores de gente, os filhos apartados de seus pais e os maridos de suas mulheres, o balanço agônico da travessia do Atlântico e, nos porões, a morte ceifando corpos engolidos pelo mar e triturados pelos dentes afiados dos peixes.

Sou filho de Ogum e Oxalá, devoto de Iemanjá, a quem elevo as oferendas de todas as dores e cores, lágrimas e sabores, o choro inconsolável das senzalas, a carne lanhada de cordas, os pulsos e os tornozelos a ferros, a solidão da raça, o ventre rasgado e engravidado pela feroz pulsão dos senhores da Casa Grande.

Restam-me, na cuia de madeira, as sobras do suíno descarnado e, enquanto a mesa colonial saboreia o lombo, rasgo peles e orelhas, refogo em banha o feijão, fatio em paio as carnes, frito lingüiças e torresmos, apimento e condimento, e me empanturro. No alambique, colho a seiva ardente da cana, e me transporto aos ancestrais, às savanas e florestas, ao tempo de imensurável liberdade.

Nas noites de Casa Grande vazia e capatazes bêbados, enfeito o meu corpo de tinturas e, espelhado no reflexo da Lua, adorno braços e pernas, cubro-me de colares e braçadeiras e, ao som inebriante do batuque, danço, danço, danço, exorcizando tristezas, exconjurando maus espíritos, imprimindo ao movimento de todos os meus membros o impulso irrefreável do vôo do espírito.

Sou escravo e, no entanto, senhor de mim mesmo, pois não há ferrolho que me tranque a consciência nem moralismo que me faça encarar o corpo com os olhos da vergonha. Faço do sexo festa, do carinho, liturgia, do amor, bonança, multiplicando a raça na esperança de quem fertiliza sementes. Dou ao senhor novos braços que haverão de derrubá-lo de seu trono.

Comungo a exuberância da natureza, as copas das árvores são meus templos, do fogão de lenha trago as ofertas, em meu ser trafegam, céleres, cavalos alados, e sigo o mapa traçado pelos búzios, que me ensinam que não há dor que sempre dura, mas o verdadeiro amor perdura. Tão povoado é o céu de minhas crenças que não rejeito nem mesmo a santeria do clero. Antes, reverencio o cavalo de são Jorge, transfiro aos altares a devoção aos meus orixás, lanço ao rio a Virgem negra na fé de que, entre tantas brancas, trazidas no andor do senhor de escravos, chegará o tempo em que a minha será Aparecida e, a seus pés, também os joelhos dos brancos haverão de se dobrar.

Sou liberto e, no fundo das matas, recrio um espaço de liberdade, defendendo com espírito guerreiro o meu reduto de paz. No quilombo, volto à África, resgato a força mistérica do meu idioma, celebro reisados e congadas, o canto livre ecoando no coro da passarada, as águas da cachoeira expurgando-me de todo temor, as árvores em sentinela cobertas de mil olhos vigilantes.

Cidadão brasileiro, ainda luto por alforria, empenhado em abolir preconceitos e discriminações, grilhões forjados na inconsciência e inconsistência dos que insistem em fazer da diferença divergência e ignoram que Deus é também negro.

* Frei Betto é escritor, autor de "Batismo de Sangue" (Rocco), entre outros livros.

ENSINA A TEU FILHO

* Frei Beto

Divulgação
Ensina a teu filho que o Brasil tem jeito e que ele deve crescer feliz por ser brasileiro. Há neste país juízes justos, ainda que esta verdade soe como cacófato. Juízes que, como meu pai, nunca empregaram familiares, embora tivessem filhos advogados, jamais fizeram da função um meio de angariar mordomias e, isentos, deram ganho de causa também a pobres, contrariando patrões gananciosos ou empresas que se viram obrigadas a aprender que, para certos homens, a honra é inegociável. 
Ensina a teu filho que neste país há políticos íntegros, administradores competentes, autoridades honradas, que não se deixam corromper, não varrem as mazelas para debaixo do tapete, não temem desagradar amigos e desapontar poderosos, ousam pensar com a própria cabeça e preservar mais a honra que a vida.
Ensina a teu filho que não ter talento esportivo ou rosto e corpo de modelo, e sentir-se feio diante dos padrões vigentes de beleza, não é motivo para ele perder a auto-estima. A felicidade não se compra nem é um troféu que se ganha vencendo a concorrência. Tece-se de valores e virtudes, e desenha, em nossa existência, um sentido pelo qual vale a pena viver e morrer. 

Ensina a teu filho que o Brasil possui dimensões continentais e as mais fertéis terras do planeta. Não se justifica, pois, tanta terra sem gente e tanta gente sem terra. Assim como a libertação dos escravos tardou mas chegou, a reforma agrária haverá de se implantar. Tomara que regada com muito pouco sangue.

Saiba o teu filho que os sem-terra que ocupam áreas ociosas, griladas ou devolutas são, hoje, chamados de "bandidos", como outrora a pecha caiu sobre Gandhi sentado nos trilhos das ferrovias inglesas e Luther King ocupando escolas vetadas aos negros.
Ensina a teu filho que pioneiros e profetas, de Jesus a Tiradentes, de Francisco de Assis a Nelson Mandela, são invariavelmente tratados, pela elite de seu tempo, como subversivos, malfeitores, visionários. 

Ensina a teu filho que o Brasil é uma nação trabalhadora e criativa. Milhões de brasileiros levantam cedo todos os dias, comem aquém de suas necessidades e consomem a maior parcela de suas vidas no trabalho, em troca de um salário que não lhes assegura sequer o acesso à casa própria. No entanto, essa gente é incapaz de furtar um lápis do escritório, um tijolo da obra, uma ferramenta da fábrica. Sente-se honrada por não descer ao ralo que nivela bandidos de colarinho branco com os pés-de-chinelo. É gente feita daquela matéria-prima dos lixeiros de Vitória, que entregaram à polícia sacolas recheadas de dinheiro que assaltantes de banco haviam escondido numa caçamba.

Ensina a teu filho evitar a via preferencial dessa sociedade neoliberal que tenta nos incutir que ser consumidor é mais importante que ser cidadão, incensa quem esbanja fortuna e realça mais a estética que a ética. Convence-o de que a felicidade não resulta da soma de prazeres e a via espiritual é um tesouro guardado no fundo do coração – quem consegue abri-lo desfruta de alegrias inefáveis.
Saiba o teu filho que o Brasil é a terra de índios que não se curvaram ao jugo português e de Zumbi, de Angelim e Frei Caneca, de madre Joana Angélica e Anita Garibaldi, dom Helder Camara e Chico Mendes.
Ensina a teu filho que ele não precisa concordar com a desordem estabelecida e que será feliz ao unir-se àqueles que lutam por transformações sociais que tornem este país livre e justo. Então, ele transmitirá a teu neto o legado de tua sabedoria.
Ensina a teu filho a votar com consciência e jamais ter nojo de política, pois quem age assim é governado por quem não tem, e se a maioria o tiver será o fim da democracia. Que o teu voto e o dele sejam em prol da justiça social e dos direitos dos brasileiros imerecidamente tão pobres e excluídos, por razões políticas, dos dons da vida.
Ensina a teu filho que a uma pessoa bastam o pão, o vinho e um grande amor. Cultiva nele os desejos do espírito, a reverência pelos mais velhos, o cuidado da natureza, a proteção dos mais frágeis. .
Saiba o teu filho escutar o silêncio, reverenciar as expressões de vida e deixar-se amar por Deus que o habita.
* Frei Betto é escritor, autor de "Alfabetto – autobiografia escolar" (Ática), entre outros livros.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Professor Alisson Ferreira fala sobre agricultura, homem do campo e música caipira, no enredo da Vila Isabel

Entrevista no Programa Brasil Raça Mundi em janeiro de 2013. O programa é uma produção do Movimento Unificado Negro de Divinópolis-MG (Brasil).


Leia a Sinopse do Enredo da Vila Isabel

O trabalho no campo é fruto de muito suor, dedicação e amor pela terra, os quais permitiram que o Brasil se tornasse um destaque na agricultura mundial, caminhando a passos largos para a condição de principal país agrícola do planeta.

Essa dedicação às atividades rurais gera milhões de empregos e riquezas, colaborando para a grandeza do nosso país. A prosperidade nacional se deve aos milhões de homens, mulheres e jovens que se dedicam ao cultivo de nosso solo fértil.

O brasileiro tem fama de ser hospitaleiro e cordial. É bem verdade que um cafezinho já serve pra quebrar o gelo nas reuniões, pra esticar uma conversa, na mesa, depois da refeição. E aquela visita inesperada ou convidado de última hora, sempre é bem-vindo. Afinal de contas, onde come um comem dois, ou sempre podemos botar "água no feijão, que chegou mais um...". (Jorginho do Império)

A natureza generosa nos dá o feijão nosso de cada dia, o trigo do pão
também, e o milho de fubá, e o arroz, e a cebola pra temperar, o alho, e a
mandioca para fazer farinha, pra acompanhar...

"No recanto onde moro, é uma linda passarela
O carijó canta cedo, bem pertinho da janela
Eu levanto quando bate o sininho da capela.
E lá vou pro meu roçado, tendo Deus de sentinela
Tem dia que meu almoço, é um pão com mortadela,
Mas lá do meu ranchinho, a mulher e os filhinhos,
Tem franguinho na panela" (Lourenço e Lourival)
"Que vidinha simples, que vidinha boa
A bóia é sagrado frango e quiabo
Acompanhado de ovo caipira, arroz e feijão
Depois do almoço sem muito esforço
Encosto meu corpo no barracão". (João Carneiro e Capataz)

Esse mundo natural pródigo é o orgulho do país. Da terra vem a riqueza da nação. É do solo que nasce o engrandecimento da pátria. É dos produtos oferecidos pelos seus verdes lindos campos que conseguirá progredir. Portanto, é das suas terras, imensas e extensas, que a providência divina ofertou, que virá a sua transformação em celeiro agrícola da humanidade: a maior região produtora, fornecedora e abastecedora de alimentos do planeta terra.

E quem será o responsável por cuidar do seu solo fértil? O agricultor, esse trabalhador extraordinário, arrojado, competente, que tem na terra o
seu precioso bem. O homem do campo terá a missão de torná-la próspera, inseri-la no concerto das nações civilizadas, ampliando os cultivos, sem
jamais destruir a natureza, os verdejantes bosques. Dos produtos agrícolas, virá a transformação do Planeta Faminto, num mundo de mesa farta e
sonhos possíveis.

"Enquanto uns fazem guerra
Trazendo fome e tristeza,
Minha luta é com a terra
Pra não faltar pão na mesa" (Joel Marques e Maracaí)
"Mulher, você vai gostar
To levando uns amigos pra conversar
Eles vão com uma fome que nem me contem,
E vão com uma sede de anteontem,
E vamos botar água no feijão..." (Chico Buarque)

Eis a terra sustentável por natureza, e que pode ser mais. Afinal, aqui por estas bandas... "tudo que se planta dá". Mas com o pensamento voltado
para as necessidades dos comensais do grande banquete diário e os anseios do planeta onde vivemos, sem afetar as possibilidades de onde viverão os
nossos filhos e netos, aproveitando com inteligência, cada palmo deste chão. Multiplicai os alimentos, mas sem ampliar as áreas de cultivo!
"Eu tenho um coqueiro grande que só dá coquinho...
Quando eu quero um coco grande, tem que ser do coqueirinho...".

Tamanho nem sempre é documento. Precisamos aprender com o coqueirinho, a aproveitar cada centímetro da plantação, produzindo mais, com astúcia. Para não desgastar os solos, a solução é o plantio feito na palha de culturas anteriores!

Várias etnias se agregaram às três raças formadoras da nação - o branco, o negro e o índio – para formar a nossa tradição agrícola. Imigrantes, como os alemães, os japoneses, e os italianos, e outros em menores grupos, se dedicaram igualmente à agricultura.
Assim como a agricultura, a música do campo é a origem do Brasil.
"moda bem tocada é aquela que desperta em nós uma saudade que agente nem sabe do quê...".

O som da viola canta a música do campo e conta a história daqueles que vivem da terra, que lutam, que prosperam e fazem o país crescer.
A moda de viola trás a saudade dos tempos de outrora, mostra a vida cantada em versos simples e retrata a obra magnífica do homem do campo, do agricultor que com afinco, dedicação e conhecimento transforma a terra em riqueza.
Segundo Câmara Cascudo, "somos filhos de raças cantadeiras e dançarinas", o que ajudou na estruturação da música do campo.

O violeiro é aquele que por instinto lê os sinais da natureza e os interpretam. Tem na sentimentalidade a bússola com que se orienta no mundo. É um artista que, nas asas da tradição, canta querências e saberes poetizados.

"passo por cima das nuve
Esbarrando no trovão
Danço no meio da chuva
Bem no meio do clarão..." (Lourival dos Santos e Priminho)

A primeira fábrica de viola nasceu na fazenda Córrego da Figueira, em Campo Triste, fábrica de viola da marca Xadrez.

"Na Fazenda Figueira
O Dego e o seu irmão
Entraro na mata virge
A procura de madera
Pra fazê uma viola
E já fizero a primeira" (Antonio Paulino)
"Esta viola vermelha
Cor de bandeira de guerra
Cor de sangue de caboclo
Cor de poeira da terra". (Tião Carreiro e Jesus Belmiro)

"O som da viola bateu
No meu peito doeu meu irmão
Assim eu me fiz contador
Sem nenhum professor". (Peão Carreiro e Zé Paulo)

"Ai, a viola me conhece
Que eu não posso cantá só
Se eu sozinho canto bem
Em junto canto mió" (Carreirinho)

"Minha viola
Ta chorando com razão
Por causa duma marvada
Que roubou meu coração". (Noel Rosa)

O mundo da música é o da alma humana, e esta, na cidade ou no campo, não tem limite. A poesia se entrelaça com as paisagens, e as paisagens com os sentimentos.

"O rio Piracicaba vai jogar água pra fora
Quando chegar a água
Dos olhos de alguém que chora
Pertinho da minha casa
Já formou uma lagoa
Com lágrimas dos meus olhos,
Por causa de uma pessoa". (Lourival dos Santos, Tião Carreiro, e
Piraci)

"Eu fiz promessa
Pra que Deus mandasse chuva
Pra crescer a plantação".
O povo recorre a promessas quando a chuva não vem. Neste caso, a promessa foi paga com três pingos...
"Um, foi o pingo da chuva, Dois caiu do meu oiá". (Raul Torres e João Pacífico)
Até os santos ficam de castigo, sendo trocados de Igreja, talvez pra prestarem mais atenção pros problemas do campo.
"São José de Porcelana foi morar
Na matriz da Imaculada Conceição
A Conceição, incomodada,
Vai ouvir nossa oração
Nos livrar da seca, da enxurrada
Da estação ruim.
Barromeu pedra sabão vai pro altar
Pertence a estrela mãe de Nazaré
A Nazaré vai de jumento
Pro mosteiro de São João
E o evangelista, pra basílica de S. José
Se a vida mesmo assim não melhorar
Santo que quiser voltar pra casa
Só se for a pé". (Chico Buarque)

Os animais e as plantas também são assuntos recorrentes das modas de viola.
"Canta, canta Bem-te-vi
Pra mim ouvir
Canta, canta sabiá
Pra me consolar" (Alvarenga e Ranchinho)

"Quero ouvir a siriema
Cantar por ti, Iracema
No nosso jardim em flor". (Mario Zan)

"Comprei um casco chapeado
Uma baldrana macia
Um colchonilho dos brancos
Pra minha besta rosia
Um peitoral de argolinha
E uma estrela que bria
Fui dá uma passeio em Tupã
Só pra vê o que acontecia". (Anacleto Rosas Júnior e Arlindo Pinto)

A música do homem do campo tomou grande impulso de divulgação nos anos vinte do século passado, graças as primeiras gravações. Hoje, a música é divulgadíssima. São realizados grandes shows. Os temas também evoluem, as técnicas de plantação também se sofisticam, mas a alma que os embala é a mesma, a alma caipira e brasileira.
"Baile na roça, meu bem, se dança assim,
Pego na cintura dela e ela tarraca em mim
E o sanfoneiro toca, toca alegria,
Vamo, vamo minha gente até o clarear do dia
Dança, dança com a morena, dança, dança, com a loirinha,
Começa o baile na tuia e termina na cozinha.
Viva o baile da roça, viva a noite de S. João
E o povo brasileiro conservando a tradição". (Tunico e Tinoco)

Hoje, o samba, homenageia o agricultor! Os sambistas celebram e eternizam esse personagem de real valor! A viola se junta aos pandeiros, chocalhos e surdos de primeira, para unir a cultura do sambista com a do homem do campo, numa grande festa de celebração da colheita. E, neste palco iluminado, por confetes e serpentinas, a Vila de Noel e de Martinho vem homenagear essa figura notória, original e bem brasileira: o agricultor. Ele merece o nosso respeito!!! É o agricultor brasileiro ajudando a alimentar o mundo!!!

Autores do Enredo: 
Rosa Magalhães (Carnavalesca), 
Alex Varela (historiador) & Martinho da Vila

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Momento da Arte

Acervo da família Ferreira
Telas da artista Ângela Ferreira (D´Angela)

"Boiadeiro"
óleo sobre tela - 50x70

Gosto de me inspirar na cultura rural. Gosto da simplicidade e do rústico.
  
"O ofício de vaqueiro era uma arte. Trabalho em pecuária alongada além de incerto, aventuroso e a cada dia e estação sujeitar o trabalhador a uma quantidade de riscos, exigia destreza e treino... "laçar gado bravo, domar animais de sela, amansar vacas de leite, dar campo em mangas sem fecho, colocar em boiada gado arribado que passava às vezes meses ou anos sem ver curral..." (Eduardo Magalhães Ribeiro).


Acervo da família Ferreira






"Acampamento de Peão"
Técnica: Mista: óleo sobre tela / massa acrílica e material reciclado - 70x60

Botas e laços dos vaqueiros espalhados pelo chão rústico. 








Por: Redação do Blog

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Momento da Arte


Momento inesquecível para a família Ferreira. Minha mãe, Ângela Ferreira participou do o Iº Salão Brasil Folclore,  no período de 22 de agosto a 04 de setembro de 2001, no Lar Center Norte, em São Paulo com participação de artistas de todo o Brasil. 

O evento foi promovido pela Associação Paulista de Belas Artes (APBA) e tinha por objetivo documentar as manifestações folclóricas de todo o território nacional.  

O quadro

A tela, pintada a óleo, retrata uma atividade comum das famílias do interior de Minhas Gerais e intitula-se: "Pilando Arroz". 

Por: Alisson Ferreira

sábado, 12 de janeiro de 2013

"Escravidão e Práticas Antissindicais", hoje


POR PROF.HELDER MOLINA (1)

Divulgação
1 – As relações entre trabalho degradante, praticas antissindicais e criminalização de dirigentes e militantes dirigentes sindicais, hoje 

O termo escravidão nos remete à imagem do aprisionamento e da venda de africanos, forçados a trabalhar para seus proprietários nas fazendas ou nas casas no Brasil colonial ou imperial. Essa foi a realidade do Brasil até o final do século 19, quando, por fim, a prática foi considerada ilegal pela Lei Áurea, de 13 de maio de 1888.

Mais de 100 anos depois, porém, o Brasil e o mundo não podem dizer que estão livres do trabalho escravo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que existam pelo menos 12,3 milhões de pessoas submetidas a trabalho forçado em todo o mundo, e no mínimo 1,3 milhão na América Latina.

Para a OIT, “todo trabalho escravo é degradante, mas nem todo trabalho degradante é considerado escravo. O que diferencia um do outro é a privação da liberdade”. São basicamente três os fatores que levam as pessoas a permanecerem trabalhando como escravos: o endividamento (servidão por dívida), o isolamento geográfico e a ameaça à vida. Não se trata, portanto, de simples descumprimento das leis trabalhistas, mas de um conjunto de condições degradantes.

Há uma estreita vinculação entre expansão do agronegócio no contexto da economia mundializada e a precarização das relações trabalhistas. A contradição gritante é que mesmo governo que estimula as monoculturas de exportação corre atrás dos enormes prejuízos que ela provoca, inclusive à imagem do Brasil no exterior.

Há variadas formas e conteúdos de escravidão nas condições e relações de trabalho no tempo presente

2 – Terceirização, precarização: Os cativeiros públicos e privados

No Brasil, a terceirização e precarização das relações e condições de trabalho se enraizou, e se aprofundou nos últimos 20 anos, como produto do neoliberalismo. Os empregadores em geral terceirizam a contratação da força de trabalho. Eles recrutam os trabalhadores e servem de fachada para que os “donos” não sejam responsabilizados pelos crimes contra os direitos trabalhistas. Essa relação escravocrata está presente nas obras do PAC (construção de usinas hidrelétricas, obras de estradas, ferrovias, saneamento), nas obras da Copa do Mundo (denúncias recentes nas obras dos estádios), e mesmo em obras da Petrobrás (como denunciou o Sindicato da Construção Civil de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, nas obras do Comperj). Os números são absurdos, como veremos logo abaixo.
Falsas promessas e cativeiro no trabalho

Nos meios rurais e urbanos persistem a presença ativa dos “gatos” (ou feitores modernos) que buscam ¬pessoas em regiões distantes do local onde serão prestados os serviços ou em pensões de cidades ¬próximas.No primeiro contato, são simpáticos, agradáveis e oferecem boas oportunidades de trabalho, com garantia de salário, alojamento e comida. Para seduzir o trabalhador, oferecem “adiantamentos” para a família e transporte gratuito até o local do trabalho.

Na escravização, há ainda os “peões do trecho”, que não têm residência fixa, passando de uma frente de trabalho para outra. Nos chamados “hotéis pioneiros”, onde se hospedam à espera de serviço, são encontrados pelos “gatos”, que “compram” suas dívidas (fazem um refinanciamento informal) e os levam às fazendas. A partir daí, os trabalhadores já estão endividados e devem trabalhar para pagar.

Paus de arara

O traslado é feito em ônibus em péssimas condições de conservação ou por caminhões improvisados – os paus de arara – sem qualquer segurança.
Como a fiscalização tem aumentado, hoje os “gatos” emprestam o dinheiro para as passagens, chegando até a alugar ônibus de turismo, para não serem descobertos. O destino principal são as regiões de expansão agrícola.

Servidão por dívida

Ao chegarem ao local do serviço, os trabalhadores são surpreendidos com situações completamente diferentes do prometido. Para começar, o “gato” informa que eles já estão devendo. O adiantamento, o transporte e as despesas com a viagem já foram anotados em um caderno de dívidas, onde serão registradas daí por diante todas as “compras” de comida, remédios etc, feitas no estabelecimento mantido pelo fazendeiro. Os gastos também envolvem a construção de ¬alojamentos.

Além disso, o peão fica sabendo que será cobrado pelo uso do alojamento e que o custo de todas as ferramentas de que vai precisar para o trabalho – foices, facões, motosserras, entre outros – corre por sua conta, assim como botas, luvas, chapéus e roupas, tudo anotado no caderno a preços muito acima dos praticados no comércio. É costume o “gato” não informar o valor dos produtos, só anotar, deixando para informar depois ao trabalhador o montante da dívida.

Meses se passam sem que o trabalhador seja pago. Com a promessa de receber tudo ao final, ele continua a derrubar a mata, aplicar veneno, erguer cercas, roçar os pastos, entre outras tarefas, sempre em situações degradantes e insalubres.O acordo verbal com o gato costuma ser quebrado e o peão recebe um valor bem menor que o combinado. No dia do pagamento, a dívida do trabalhador é maior que o saldo a receber.Depois de meses, ele continua devedor do “gato” e do dono da fazenda e tem de continuar a esforçar-se para quitar a dívida.

3 - Capitalismo e escravidão: O lucro e acumulação privada valem mais que a vida e os direitos sociais

Em razão dos laços que mantêm com os “gatos”, da mobilidade e da falta de alternativas de subsistência, é muito difícil que os resgatados deixem em definitivo esse tipo de relação de trabalho degradante.Eles tendem a voltar à mesma situação pela falta de soluções a longo prazo, que acenem com novas possibilidades de ganhar a vida com dignidade, longe da escravização.

O trabalho forçado no mundo tem duas características em comum: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade. Além de o trabalhador ficar preso a uma dívida, tem seus documentos retidos e, nas áreas rurais, normalmente fica em local geograficamente isolado. O conceito de trabalho escravo é universal e todo mundo sabe o que é escravidão.

Estudos já identificaram 122 produtos fabricados com o uso de trabalho forçado ou infantil em 58 países diferentes. A OIT calculou em US$ 31,7 bilhões os lucros gerados pelo produto do trabalho escravo a cada ano, sendo que metade disso fica em países ricos, industrializados.
A mobilização internacional para denunciar e combater o trabalho escravo começou quatro décadas após a assinatura da Lei Áurea. Com base nas observações sobre as condições de trabalho em diversos ¬países, a OIT aprovou, em 1930, a Convenção 29, que pede a eliminação do trabalho forçado ou ¬obrigatório.

Mais tarde, em 1957, a Convenção 105 foi além, ao proibir, nos países que assinaram o documento, “o uso de toda forma de trabalho forçado ou obrigatório como meio de coerção ou de educação política; como castigo por expressão de opiniões políticas ou ideológicas; como mobilização de mão de obra; como medida disciplinar no trabalho; como punição por participação em greves; ou como medida de discriminação”.

Hoje, o proprietário rural não é mais dono do servo, nem responsável por sua manutenção e reprodução de sua prole, como acontecia no Brasil colonial. Ele usa e abusa da mão de obra escrava, arregimentada sob promessas enganosas, e a descarta três ou quatro meses depois. Carvoeiros, roçadores de pasto e cortadores de cana têm, em pleno século XXI, expectativa de vida inferior aos escravos do século XIX.

O trabalho escravo está presente nas principais cadeias produtivas do agronegócio brasileiro: carne e madeira (metade das denúncias); cana e demais lavouras (metade dos libertados), e carvão vegetal.

Em 2010, 242 pessoas foram libertadas de situações análogas à escravidão em atividades não agrícolas, como construção civil (175 em obras do PAC!). Na zona rural, 2/3 dos casos, entre 2003 e 2010, ocorreram na pecuária (desmatamento, abertura e manutenção do pasto); 17% em lavouras de cana de açúcar, soja, algodão, milho, café, e reflorestamento; e 10% em carvoarias a serviço de siderurgias.A maioria dos libertados trabalhava na pecuária e no corte de cana, sobretudo na região amazônica, principalmente nos estado do Pará, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso, onde se destaca a voz profética do bispo Dom Pedro Casaldáliga, ainda hoje, aos 84 anos, ameaçado de morte por defender os oprimidos (Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2012).Por que trabalho escravo em pleno século XXI? O lucro! E quando flagrado, proprietário finge não saber o que ocorria em suas terras e culpa o capataz. Fazendeiros, parlamentares, magistrados, artistas de TV, figuram entre proprietários rurais que adotam trabalho braçal de baixo custo em condições subumanas – o trabalho escravo. O Brasil, que assina as convenções, só reconheceu em 1995 que brasileiros ainda eram submetidos a trabalho escravo. Mesmo com seguidas denúncias, foi preciso que o país fosse processado junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) para que se aparelhasse para combater o problema. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e responsável pelas primeiras denúncias de trabalho escravo no país, são escravizados a cada ano pelo menos 25 mil trabalhadores, muitos deles crianças ou adolescentes. Apesar dos esforços do governo e de organizações não governamentais, faltam estimativas mais precisas sobre o trabalho escravo atualmente, até por se tratar de uma atividade ilegal, criminosa. Sem informações exatas, o poder público e a sociedade organizada ainda lutam para prevenir e erradicar essa prática. Pior que isso, o país enfrenta grandes dificuldades para punir os responsáveis pelo trabalho escravo atualmente.

O Brasil registra importantes avanços, mas ainda persiste as relações análogas à escravidão. O reconhecimento e a consequente adoção de uma política pública e de ações do Estado para reprimir a ocorrência de trabalho escravo são apontados como exemplos pela OIT. Foram libertados 40 mil trabalhadores brasileiros de trabalho degradante desde a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel e do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado, ambos de 1995.

Em 2003, foi lançado o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, e para o seu acompanhamento foi criada a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), com a participação de instituições da sociedade civil pioneiras nas ações de combate ao trabalho escravo no país. Em dezembro do mesmo ano, o Congresso aprovou uma alteração no Código Penal para melhor caracterizar o crime de “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”, que passou a ser definido como aquele em que há submissão a trabalhos forçados, jornada exaustiva ou condições degradantes, e restrição de locomoção em razão de dívida contraída, a chamada servidão por dívida. O crime de trabalho escravo atualmente deve ser punido com prisão de dois a oito anos. A pena pode chegar a 12 anos se o crime for cometido contra criança ou por preconceito. A iniciativa acompanhou a legislação internacional, que considera o trabalho escravo um crime que pode ser equiparado ao genocídio e julgado pelo Tribunal Penal Internacional. Porém, passados mais de seis anos, a legislação praticamente não foi aplicada, deixando no ar a sensação de impunidade, apontada pela OIT como uma das principais causas do trabalho forçado no mundo. Tanto que já há propostas no Congresso que aumentam a pena e tentam definir de maneira mais precisa o crime da escravização contemporânea. 

O fim da escravidão e de práticas análogas à escravidão é um princípio reconhecido por toda a comunidade internacional. As duas convenções citadas são as que receberam o maior número de ratificações por países membros dentre todas as convenções da OIT. As diversas modalidades de trabalho forçado no mundo têm sempre em comum duas características: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade. O trabalhador fica preso a uma dívida, tem seus documentos retidos, é levado a um local isolado geograficamente que impede o seu retorno para casa ou não pode sair de lá, impedido por seguranças armados. No Brasil, o termo usado para este tipo de recrutamento coercitivo e prática trabalhista em áreas remotas é trabalho escravo; todas as situações que abrangem este termo pertencem ao âmbito das convenções sobre trabalho forçado da OIT. O termo trabalho escravo se refere à condições degradantes de trabalho aliadas à impossibilidade de saída ou escape das fazendas em razão a dividas fraudulentas ou guardas armados.

4 - As práticas anti-sindicais e a crescente agressão e criminalização aos sindicatos e trabalhadores

A falta de uma efetiva liberdade sindical aliada às políticas econômicas desenvolvidas pelos governos e à sanha desenfreada de lucro, empreendida pelo grande capital, no mundo e no Brasil, tem se refletido com maior intensidade os ataques aos direitos trabalhistas e a criminalização dos direitos sindicais e cerceamento da liberdade de organização dos trabalhadores. Cresce nas empresas públicas e privadas as denominadas práticas anti-sindicais, que acabam impondo limites ao exercício do direito sindical.

Como vimos, são chamadas de Práticas Antissindicais (PAS) aquelas que, direta ou indiretamente, cerceiam, desvirtuam ou impedem a legítima ação sindical em defesa e promoção dos interesses dos trabalhadores.

As PAS manifestam-se das mais variadas formas: 

- Ameaças à integridade física, inclusive assassinatos de dirigentes e militantes sindicais (principalmente no campo); 
- Demissões de dirigentes sindicais por parte dos empregadores; decisões da Justiça que retiram a estabilidade dos dirigentes sindicais, e que impedem a cobrança de taxas definidas pelas assembleias das entidades sindicais; 
- Restrições às negociações coletivas; 
- Aplicação do interdito proibitório, que dificulta a greve e que estabelece multas absurdas para entidades sindicais quitarem; 
- Discriminações de vários tipos, inclusive com patrões, dificultando, ao máximo a filiação dos trabalhadores e trabalhadoras aos sindicatos, e quando sindicalizados, forçando a que se dessindicalizarem; 
- Assédio moral; impedimento legal à organização por local de trabalho; 
- Repressão à imprensa sindical; impedimento de acesso do dirigente sindical ao local de trabalho; 
- Implantação da reestruturação produtiva que desregulamenta , terceiriza, precariza o trabalho dificultando a organização sindical.

Enfim, há uma série de práticas que dificultam ou até mesmo impedem, que as entidades sindicais possam atuar com liberdade, para desempenhar adequadamente seu papel. Tanto a OIT, quanto a legislação sindical brasileira identificam como crime essas as práticas, cada dia mais presente nas empresas governamentais federais, estaduais e municipais, e no setor privado. O movimento sindical tem que enfrentar, urgentemente, essas questões. No projeto de Reforma Sindical, discutido no Fórum Nacional do Trabalho, durante o Governo Lula, as centrais sindicais conseguiram, com muita dificuldade política, devido à oposição intransigente dos empresários, os seguintes itens, que devem balizar a ação sindical em defesa da liberdade e autonomia sindical. Estas premissas são a base de uma ação política dos sindicatos, e de um projeto de lei que deve ser encaminhado ao congresso nacional:

Denunciar sempre que os patrões e os governos:

- Comportar-se de maneira a impedir ou limitar a liberdade e a atividade sindical, bem como o exercício do direito de greve. 
- Subordinar a admissão ou a preservação do emprego à filiação ou não a uma entidade sindical.
- Subordinar a admissão ou a preservação do emprego ao desligamento de uma entidade sindical
- Despedir ou discriminar trabalhador em razão de sua filiação a sindicato, participação em greve, atuação em entidade sindical ou em Representação dos Trabalhadores nos Locais de Trabalho
- Conceder tratamento econômico de favorecimento com caráter discriminatório em virtude de filiação ou atividade sindical
- Interferir nas organizações sindicais de trabalhadores
- Induzir o trabalhador a requerer sua exclusão de processo instaurado por entidade sindical em defesa de direito individual
- Contratar, fora dos limites desta Lei, força de trabalho com o objetivo de substituir trabalhadores em greve.
- Constranger o trabalhador a comparecer ao trabalho com o objetivo de frustrar ou dificultar o exercício do direito de greve

Em relação aos empregados, o Art.177 do Anteprojeto de Lei, fixa em alguns incisos as práticas anti-sindicais praticadas, como por exemplo:

- Induzir o empregador a admitir ou dispensar alguém em razão de filiação ou não a uma Entidade Sindical;
- Interferir nas Organizações Sindicais de empregadores;
- Violar o dever de boa-fé na negociação coletiva;
- Deflagrar greve sem a prévia comunicação. 

5 – O que fazer?

Ações que o movimento sindical devem priorizar, no enfrentamento deste tema
- Lançar campanhas, com cartazes, bottons, camisetas, folders, jornais, vídeos, exposições de fotografias, denunciando o tema, e mobilizando a sociedade civil e os trabalhadores à luta.
- Realizar Atos Públicos de denúncia das PAS (Práticas Anti Sindicais, principalmente no que se refere às perseguições, constrangimentos, inquéritos policiais, ameaças e assassinatos de dirigentes sindicais. 
- Ampliar o combate às PAS, incluindo várias entidades dos movimentos sociais. 
- Denunciar ao Executivo, ao Legislativo, ao Judiciário, a OIT quaisquer PAS cometidas contra as entidades sindicais, seus dirigentes e militantes. 
- Divulgar amplamente, para todas as entidades sindicais e movimentos sociais, as PAS cometidas e as medidas que estão sendo tomadas, no sentido de coibi-las. 
- Aproveitar todos eventos , como plenárias, congressos, seminário, passeatas, e as as datas de luta do movimento sindical - como o 8 de março, 1° de maio, 13 de maio, dia do servidor público, etc, - para denunciar as PAS e divulgar o movimento de combate.
-Realizar debates, seminários, congressos, convidando o Ministério Público do Trabalho, OAB, pastorais das igrejas, prefeituras democráticas e populares, OIT, e setores do governo que defendem e promovem os direitos dos trabalhadores, a imprensa progressista (o PIG – Globo, Folha, Estadão, Veja, Época- não adianta, que eles são os principais produtores, reprodutores e propagadores da criminalização dos movimentos sociais e sindicatos e do ataque aos direitos dos trabalhadores) para debater o temas das PAS com as entidades sindicais, e buscar ações públicas e coletivas comuns.

Nossos direitos foram todos conquistados nas lutas. O sindicato é o instrumento coletivo de combate de classe, e só a luta coletiva faz frear e recuar o avanço incivilizatório do capital quanto aos direitos da classe trabalhadora. 2013 estes temas devem fazer parte da agenda, planejamento de gestão, campanhas salariais, negociações coletivos, ações no legislativo e no judiciário, nos cursos de formação política, comunicação, temas transversais, isto é, em todas as frentes da luta sindical. Um ano de desafios, lutas e conquistas.

(1) Professor da UERJ, bacharel e licenciado em História/UFF, , mestre em Educação/UFF, doutor em Políticas Públicas e Formação Humana/UERJ,  educador e pesquisador sindical, assessor do SINPAF e da CUT-RJ