quarta-feira, 21 de julho de 2010

O negro e a educação republicana

O Brasil, com uma população negra inferior apenas a da Nigéria, não conseguiu, em 120 anos de história republicana, eliminar as desigualdades que mancharam e ainda mancham as relações étnico-raciais. Isso pode ser observado quando se analisa que, até pouco tempo atrás, não tínhamos a inclusão dos termos discriminação e racismo como categorias de estudo para explicar o fato de os negros possuírem os mais baixos índices de desenvolvimento dentro das esferas sociais.
A questão racial, que percorreu e gravitou em todos os momentos da jovem história democrática do Brasil, sempre enfrentou os resultados negativos da latente falta de uma gestão política cidadã. As decisões de gabinetes, historicamente, incluíam as demandas das elites oligárquicas nacionais e abafava a questão racial, fugindo assim, do conflito que se fazia presente e era cada vez mais evidente na sociedade brasileira.

Quando a República foi proclamada em 1889, um de seus pilares firmava-se em oferecer educação a todo brasileiro e construir uma sociedade pautada nos preceitos positivistas e republicanos de igualdade e de prosperidade. Porém, o que se viu e é visto em muitas ações governamentais é um total descumprimento dos princípios de uma República Democrática onde, instituições públicas como as escolas, ainda perpetuam o preconceito e a discriminação de republicanos pobres e negros.

O que há de se questionar, no que tange a universalização da educação, é se ela está sendo realmente levada a todos. Do ponto de vista sociológico pode-se dizer que o termo “todos” deve ser entendido como o ato de levar uma educação a cada um e a cada uma dentro do território nacional. Existem muitos lugares em nosso país em que o termo “todos” é entendido como um “todo particular”, sem a perspectiva da ampla abertura que o plural da palavra exige. A falta deste entendimento é o resultado de muitos problemas históricos vividos pela comunidade negra em nosso país.

As tentativas de se estabelecer um discurso de “democracia racial” onde supostamente existiria uma igualdade de condições entre os cidadãos brasileiros negros e brancos não se sustentam há muito tempo. A organização da comunidade negra e dos organismos de defesa dos diretos humanos e de controle público vem denunciando, há anos, a situação em se encontram os negros brasileiros.

Mesmo com os 120 anos da República Federativa do Brasil e os muitos avanços dos aparatos jurídico-normativos que estabelecem inclusão de todos na vida social, a educação ainda não se constituiu como um valor, uma prioridade governamental. O que vemos são soluções “mágicas” e programas educacionais tecnocratas pregados por governos com políticas pautadas na visão de uma educação de resultados, muito pouco humana e acolhedora. A escola pública no Brasil deve cumprir o seu papel social de humanizar as relações, de diminuir as diferenças, incluindo em seu regaço todo um universo de pessoas, educando-as para a vida.

É muito recente por parte de escolas e pesquisadores, a preocupação com o tema da educação de negros brasileiros. Talvez este fato se responda pela constatação da inexistência de fontes e trabalhos acadêmicos sobre este assunto no decorrer da história de nosso país. No Brasil a educação é tratada de forma estrutural e material e quase nunca sob o prisma das relações humanas, da aceitação das diferenças e da melhoria da instrução cidadã e multi-étnica. É evidente em nossas instituições de ensino a ausência de saberes voltados para a educação étnico-racial e, é historicamente comprovado que nossos governos naturalizaram a ausência dos mesmos. A República do Brasil fugiu ao conflito que se instalou na abolição da escravatura em 1888, não quis discutir a situação de inserção social das centenas de negros libertos e dos afro-brasileiros que povoavam o imenso território nacional e se preocupou muito mais em resolver os valores indenizatórios a serem pagos às oligarquias que participavam da economia escravocrata.

É no conflito que cresce e se desenvolve a vida e é dele que brotam as perspectivas de mudanças, de quebra das imobilidades gestoriais que aprisionaram e aprisionam o convívio com as diferenças. Ou o Brasil se prepara para lidar com as diferenças ou continuaremos a fugir dos conflitos históricos que se adiaram e se adiam desde a constituição de nossa República.

Texto: Alisson Ferreira

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