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Arte montagem: Alisson Ferreira |
Texto: Alisson Ferreira
O
Brasil comemora os 125 anos da promulgação da Lei Áurea. Utilizada em
discursos; na literatura ficcional; em trabalhos acadêmicos; e, possuidora de
um grande potencial histórico-persuasivo, a mesma nasceu de pressões políticas
internas e externas que evidenciaram muito mais o seu caráter régio do que o
popular. Diante deste tema, é importante fixarmos uma ligeira análise que remonte
o aspecto de “Estado Benevolente” existente
na construção dos Estados Nacionais.
Herdeiros de uma escola positivista,
nossos primeiros trabalhos historiográficos a respeito da Lei Áurea divinizaram
este ato político do Governo. Tal prática, comum às nações modernas, traduziam
ações puramente políticas em benesses; que
pintavam um romanesco quadro das relações de poder dentro das sociedades. Era
importante imprimir na mentalidade da população livre, assim como, na dos
libertos, a consciência do sentimento de pertença.
O Brasil de 1888 destoava do restante
das grandes nações mundiais, como a única a possuir uma estrutura escravista
legalizada. Diante disso, e das já citadas pressões políticas internas e
externas, longe de um preceito humanizador, alinha sua imagem ao discurso
prático do capitalismo europeu, mais especificamente do inglês. É deste
alinhamento que muitos historiadores pinçaram suas análises que resultaram na
visão economicista do fim da escravidão. Porém, ficou evidente em trabalhos
posteriores aos das escolas tradicionais e economicistas que não se pode
analisar este tema somente sobre o prisma econômico. A questão econômica é
relevante e está na cabeça deste fato, mas é ladeada em igual importância pela
ação popular.
A historiografia tradicional, ao
desejar a construção de uma História do Brasil voltada à ação de seus
governantes, negligenciou a presença forte e constante de movimentos populares
que atuaram na base das comunidades promovendo debates e até ações práticas
contra a nefasta escravidão. O Movimento
Abolicionista, como ficou conhecido, foi voz ativa e decisiva no processo
histórico que culminou com a assinatura da Lei Áurea. O historiador Flávio
Gomes, em seu livro “Negros e Política
(1888-1937)”, aponta que nas últimas décadas da escravidão, inúmeros atos
públicos e fugas em massa de escravos foram organizados nas principais cidades
do Brasil.
A História do Brasil, contada sem a
perspectiva da ação popular, falseia a mesma. Estudiosos do assunto, como
Gladys Sabino, Sidney Chalhoub e muitos outros, atestam a presença de
indivíduos de classes periféricas e a ação de movimentos coletivos que, de
forma politizada, impetraram sob diversas maneiras, ações de contestação ao
catastrófico e imoral “Estado Escravista
Brasileiro”. Essa organização abriu portas nas Casas Legislativas, nos Tribunais
e evidenciaram a concretização, seja pacífica ou violenta, de um diálogo com o
Estado e as classes dominantes.
O 13 de Maio de 1888, expressa, de
forma triste, a fuga estratégica dos governantes do Império, aos conflitos
práticos e teóricos que estavam instalados no seio da Sociedade Brasileira. Dar
a liberdade não significou garantir aos negros libertos, preceitos básicos de
dignidade e sobrevivência, tais como moradia, trabalho, educação e saúde. A
liberdade que nasceu nos traços “da pena
real” respondeu, antes de tudo, aos interesses da elite agrária; aos
valores indenizatórios da mesma e à garantia de incentivos econômicos à nova
força de trabalho que viria da Europa.
Essa data, marca de nosso
alinhamento com os “ditares” da
economia capitalista, constrange-nos, ao percebermos que, é nela que se
solidifica o início da marginalização do sujeito negro e sua penúria social. A
Nação curva-se às exigências do Mercado Internacional, prepara e pensa um país
com elite branca europeizada, porém; germina em suas entranhas, uma classe de
refugados - o opróbrio da “Nação Ideal”.
Mais adiante, sem poder eliminar a “opróbria raça”, coube aos pensadores e
ideólogos elitistas criarem a maléfica teoria da “Democracia Racial”, que nada mais era que um véu colocado sobre o
racismo; e construírem o discurso da “harmonia
das três raças”, perpetuando a ideia de que, no Brasil, o passado da escravidão
não feriu nossa foma de se relacionar.
Enfim, o processo histórico que
resultou no 13 de maio de 1888, está longe de abrir para nós brasileiros, um
capítulo glorioso de nossa história. O legado que esta data nos deixa ergue-se em
meio ao desprezo da história tradicional; invade a mentalidade da comunidade
negra e de seus movimentos organizados; avança sobre os holofotes da mídia e
começa a desvelar o véu da hipocrisia. Vence as barreiras impostas da educação elitizada
e assenta corpo e alma nas instituições de ensino; discursa entre Câmaras e
Tribunais e amplia espaços, onde os marginalizados possuem voz e vez e não se
curvam ao chicote da “histórica dor”,
mas preparam um novo horizonte para a sua história.
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